Panteão Nacional
Inaugurado no ano em que a ponte sobre o Tejo foi concluída (1966), o Panteão Nacional tem uma história atribulada, marcada por um roubo, uma maldição e uma tempestade. A construção arrastou-se por tanto tempo que a expressão ‘obras de Santa Engrácia’ passou a designar algo que nunca ficará terminado. Hoje, o edifício está preparado, diz a directora, para receber “os melhores” – uma definição que, nos últimos anos, não se tem revelado consensual.
D. Manuel I e D. Maria, D. João III e D. Catarina de Áustria, D. Sebastião e o Cardeal D. Henrique, Vasco da Gama, Luís de Camões, Alexandre Herculano e Fernando Pessoa – quatro reis, duas rainhas, dois poetas, um navegador e um historiador. Nenhuma destas grandes figuras da nossa História está, porém, sepultada no Panteão Nacional. Estão todos no Mosteiro dos Jerónimos, em Belém. “Em 1916 é determinado que a igreja [de Santa Engrácia] vai ter a função de Panteão Nacional para receber os nossos melhores, mas as obras ainda não estavam terminadas. Entretanto, o Mosteiro dos Jerónimos vai cumprindo essas funções”, diz a directora do Panteão, Isabel Melo.
E foi precisamente dos Jerónimos que chegou a primeira vaga de personagens ilustres – três Presidentes e três escritores – aquando da inauguração do Panteão, em 1966. Além desses túmulos (a que se juntariam outros quatro), o monumento alberga seis cenotáfios vazios. O de Camões é um deles. “Às vezes os turistas vêm dos Jerónimos, onde acabaram de ver o túmulo de Camões, e ficam confusos: ‘Afinal o Camões está lá ou está aqui?!’”, diz Isabel Melo.
A actual directora entrou em funções em 2007, ano em que Aquilino Ribeiro foi para ali trasladado. Da cerimónia, recorda o “protocolo ao mais alto nível”. E desvaloriza a presença de algumas dezenas de pessoas à porta, que acusaram Aquilino de estar envolvido no regicídio de 1908. No interior, os protestos não se fizeram sentir.
Mais recentemente, também a eventual trasladação do futebolista Eusébio da Silva Ferreira gerou polémica. O rastilho foi ateado pela presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, que durante o velório do jogador mencionou os “custos mesmo muito elevados, na ordem de centenas de milhares de euros” da operação – embora se saiba que a trasladação de Aquilino custou aproximadamente 40 mil euros.
Alguns dias depois, Vasco Pulido Valente contra-atacava no Público, referindo que entre os ‘inquilinos’ do Panteão há “uma série de mediocridades, que nunca se distinguiram por terem ajudado a humanidade ou os portugueses. Sim, senhor, Eusébio merece um Panteão. Mas não aquele”.
Também no Público, num artigo intitulado ‘O Panteão de chuteiras’, João Miguel Tavares respondeu: “Inverter a discussão sobre se Eusébio deve ou não ir para o Panteão argumentando, em delírio hiperbólico, que ele é muito maior do que a Igreja de Santa Engrácia e merece melhor companhia é, digamos assim, uma entrada com os pitons à frente”.
Seja como for, Eusébio só poderá dar entrada no mausoléu dos ilustres depois de ter passado um ano sobre a sua morte, na melhor das hipóteses em Janeiro de 2015. Antes disso, realizar-se-á a trasladação dos restos de Sophia de Mello Breyner, prevista para as comemorações dos 40 anos do 25 de Abril. A confirmar-se, os túmulos de Sophia e Eusébio deverão ocupar os espaços vazios na sala onde estão Aquilino e Humberto Delgado. Mas não é seguro – recorde-se que em 2012 Passos Manuel, por ironia o autor do decreto que ‘criou’ o Panteão, viu a entrada no memorial ser-lhe negada por falta de verbas.
A maldição de Santa Engrácia
A história do monumento remonta aos finais do século XVI, quando uma igreja foi ali erguida por vontade da infanta D. Maria, filha do Rei D. Manuel I e devota de Santa Engrácia. “Em 1630 deu-se na igreja um roubo sacrílego, tendo sido arrombado o sacrário. Foi dado como culpado o hebreu Simão Pires Solis, que foi queimado vivo”, lê-se no Guia de Portugal, de Raul Proença. “E aí entra um pouquinho a lenda”, adverte Isabel Melo: “Ele ao passar por aqui terá dito: ‘Tão certo é eu ser inocente como esta igreja nunca ser acabada’”.
A ‘maldição’ estava lançada. “Quando estão a decorrer as obras, há uma tempestade e essa primitiva igreja vai ruir”, continua a directora.
A primeira pedra do edifício que hoje podemos visitar foi lançada em 1682. A obra ficou a cargo do mestre João Antunes, que desenhou um edifício barroco muito inspirado nas igrejas italianas. “É um monumento único no panorama nacional, com uma arquitectura que foi inovadora na altura e que não teve continuidade”. A responsável destaca as “paredes onduladas, que fazem contrastes de luz e sombra” e os “embutidos em mármore de várias cores”. “Mas o arquitecto morre em 1712 e a igreja vai permanecer inacabada, fica sem cúpula. Entretanto é entregue ao exército, chega a ser fábrica de calçado e depósito de armamento”. Para o espaço não ficar a céu aberto, o vazio é coberto com uma calote de ferro e vidro.
A criação de um Panteão Nacional chega em 1836 pela mão de Passos Manuel, “na sequência dos ideais da Revolução Francesa. Aparece a necessidade de
um Panteão Nacional – não ?? um Panteão Real – em que as pessoas são acolhidas pelos feitos extraordinários que desenvolveram ao longo da vida”. Por isso não há reis sepultados em Santa Engrácia. “Em 1916 é determinado que vai ser esta igreja a desempenhar essa função – mas permanece inacabada”.
Até que em 1966, passados quase três séculos sobre o lançamento da primeira pedra, a cúpula é concluída. Para a apreciarmos melhor, subimos “cinco andares, mas correspondem a nove” num elevador que se encontra dissimulado por detrás de uma porta de madeira perfeitamente insuspeita. “É uma das vantagens de as obras terem terminado tão tarde. Em tudo o resto o edifício é simétrico, menos no elevador, que só tem um”. A 42 metros de altura, a directora do monumento mostra, gravada na pedra, a assinatura do arquitecto Amoroso Lopes, que contou com a ajuda do engenheiro Edgar Cardoso. O acesso ao lanternim, outros 42 metros acima, faz-se através de uma escada que serpenteia sobre entre os dois zimbórios – o interior e o exterior.
O ano de 1966, além de ter assistido à inauguração do Panteão, foi também aquele em que ficou concluída a ponte sobre o Tejo e, claro, o do Mundial de Inglaterra, em que Eusébio brilhou ao serviço da Selecção Nacional. Isabel Melo prefere não se pronunciar sobre a vinda ou não do Pantera Negra. Mas sabe que o Panteão ainda tem lugar para muitos heróis nacionais. “Não há capacidade-limite. Eu só os recebo e tenho de os receber bem”.
Bem recebidas também são as escolas que visitam o monumento: “As crianças fazem perguntas extraordinárias”, conta a anfitriã. “Às vezes perguntam se os mortos lá dentro [dos túmulos] estão de pé, deitados ou sentados”. E há alunos mais ambiciosos que querem saber se também eles poderão dar entrada no Panteão. “Eu digo-lhes que sim, com certeza”. Quem sabe, um dia conquistarão o seu lugar entre os eleitos.