"Não vim para dizer amabilidades": Pacheco Pereira faz diagnóstico duro do quadro atual do socialismo em Portugal e na Europa. Com muitos aplausos.
Pacheco Pereira não foi meigo na análise que hoje foi fazer ao 21.º Congresso do PS, mas foi muito aplaudido ao longo da sua intervenção. "Também não me convidaram para vir cá dizer amabilidades", apontou o historiador, comentador político e militante do PSD - que também não escapou à análise cáustica do social-democrata.
Num debate sobre "Socialismo Democrático: Que futuro?" - com a participação da militante do Livre/Tempo de Avançar, Ana Drago, e do eurodeputado socialista Pedro Silva Pereira - Pacheco Pereira entrou logo a abrir as hostilidades. "A identidade chamada de socialismo democrático não existe em Portugal, nem no PS."
Notando que "o PSD abandonou a social-democracia, há o antigo PSD e o 'neo' PSD, que abandonou qualquer referência à social-democracia", o historiador apontou, depois de ter dito que leu o programa do Governo socialista e a moção de António Costa, que "no PS há um terreno que pode ser centro-esquerda moderado mas não há socialismo".
Para Pacheco Pereira, "a subjugação" à política desenhada pelo Tratado Orçamental, "que foi feito para criminalizar a política dos socialistas", levará a Europa a viver tempos de convulsões. "A mudança na Europa será convulsiva." Mas não é com reconversão de salários e pensões que se faz socialismo, atirou.
"A reconversão de salários e pensões não é socialismo, o programa de combate à burocracia do Estado não é socialismo", enunciou, para fizer que "a aceitação das regras europeias é aceitação de políticas" que vão contra o socialismo. "Torna-se muito difícil sair deste impasse", apontou.
Os primeiros aplausos vieram a seguir quando Pacheco Pereira notou que "quem decide em Bruxelas" são "outros governos e burocratas que não são eleitos e isso", notou, "é gravíssimo". "A União Europeia transformou-se num instrumento punitivo", disse, recordando as eventuais sanções que podem ser aplicadas ao país por causa do défice excessivo.
Para o comentador político, esta política "não salva economia da Europa, nem nenhuma economia", tendo antes "implícita uma noção de engenharia social" que passa pelo "desequilíbrio profundo das relações laborais" (quando o que há é "má gestão das empresas"), "um mecanismo antigreve" e destruição da classe média e da existência de um elevador social. Pacheco Pereira afirmou que, neste momento, "a desigualdade é o que separa as águas da Europa", entre "os que olham para o mundo e veem a desigualdade" e "os que aceitam a desigualdade".
Para o social-democrata, a solução passa por rasgar o Tratado Orçamental (que só existe e é aplicado por culpa dos partidos socialistas) "Não tenho dúvidas nenhumas" que é preciso rasgar o documento. "Não há interpretações inteligentes do Tratado Orçamental", disse, criticando uma expressão usada pelo líder socialista, António Costa, e acolhendo muitos aplausos. "Sem rasgar o Tratado Orçamental, a política da Europa é neoliberal".
Coube a Pedro Silva Pereira defender os socialistas. "Também não é tanto assim", atirou o eurodeputado do PS, dizendo que "a Europa é o terreno central do combate político dos socialistas". Logo notou que "a agenda e a atitude" do Governo "não é a atitude de resignação, é de combate".
Concordando com Pacheco Pereira sobre o Tratado Orçamental - "é totalmente verdade, não é possível uma política económica de esquerda, keynesiana, com o Tratado Orçamental", Silva Pereira defendeu que "são precisas regras".
"Não acompanho a ideia de que a esquerda radical é a única que defende a social-democracia", disse, referindo-se a uma afirmação de Ana Drago, "e de que não existe socialismo na agenda do governo". Quando olha para essa agenda governativa, argumentou, "vejo uma agenda de esquerda", exemplificando com ?o aumento do salário mínimo ou da reposição de rendimentos.
Já Ana Drago notou que "a crise europeia é especialmente gravosa para o PS" porque o partido "ancorou a sua identidade numa espécie de mimetismo do projeto social europeu". Mas não deixou de elogiar a viragem de Costa para a esquerda, arrancando muitos aplausos. "Se não tivesse negociado a geringonça (esse legado de Paulo Portas), andaria 10 ou 15 anos a reboque do PSD."