Primeiro presidente em funções a visitar cidade sobre a qual EUA lançaram a bomba atómica em 1945 não pediu desculpas mas lembrou vítimas.
Foi num silêncio impressionante que Barack Obama falou. "Há 71 anos, a morte caiu do céu", lembrou o presidente americano em Hiroxima, a cidade japonesa sobre a qual os Estados Unidos lançaram a primeira bomba atómica a 6 de agosto de 1945. Três dias depois era a vez de Nagasáqui. Mais seis dias e o Japão rendia-se, pondo fim à II Guerra Mundial no Pacífico. Primeiro presidente americano em funções a visitar Hiroxima, Obama depositou uma coroa de flores, prestou "homenagem aos mortos" e prometeu "um mundo sem armas nucleares", antes de saudar e abraçar alguns dos sobreviventes do bombardeamento que estavam no local.
Nascido 16 anos depois da "bomba cruel", como lhe chamou o imperador Hirohito (pai do atual monarca, Akihito), Obama cumpriu o que anunciara antes de chegar a Hiroxima: não pediu desculpas por um bombardeamento que muitos nos EUA garantem ter encurtado a guerra e ajudado a salvas as vidas de muitos militares americanos. Alguns analistas americanos sublinham ainda que um pedido de desculpas reforçaria a ideia que o Japão procura passar de ter sido uma vítima da guerra.
Não muito longe do edifício que abriga dezenas de livros com os nomes de todas as vítimas das bombas americanas e em cujas paredes se pode ler "Repousai em paz, não repetiremos esta tragédia", Obama sublinhou: "Temos a responsabilidade de olhar a História nos olhos".
"Temos a responsabilidade de olhar a História nos olhos"
O homem que deixa a Casa Branca em janeiro desceu os degraus que o separavam da assistência para trocar um longo aperto de mão com o sobrevivente Sunao Tsuboi, 91 anos, e abraçar Shigeaki Mori, 79 anos. "O presidente fez um gesto para me abraçar, por isso abraçámo-nos!", contou o historiador à BBC. "Fiquei tão feliz, foi como se estivesse a voar", acrescentou o protagonista de uma imagem que promete correr mundo.
Entre os milhares que assistiram à cerimónia, havia muitos outros sobreviventes. Era o caso de Eiji Hattori, 73 anos, cujos pais e avós morreram na explosão. Ele tem três tipos de cancro. "Para mim, o discurso de Obama foi um pedido de desculpas. Sinto-me diferente agora. Foi mais do que suficiente", disse à Reuters.
Para Takeo Sugiyama, ex-professor que perdeu a irmã de 12 anos no bombardeamento, Obama tem o resto do mandato para "fazer tudo o que puder pela paz mundial. Só assim provará que pensa mesmo o que disse". Mas para outros, o discurso do presidente americano soube a pouco. Miki Tsukishita, 75 anos, queria ter ouvido algo "concreto". E lembrou também à Reuters que "aplaudir a sua visita não chega".
Pioneiro
Obama é o primeiro presidente americano a visitar Hiroxima enquanto está no poder. Antes deles, Richard Nixon estivera no local em 1964, três anos depois de ter deixado a vice-presidência e cinco antes de chegar à Casa Branca. Já Jimmy Carter prestou homenagem às vítimas no Memorial da Paz em 1984, três anos após deixar a presidência.
Numa visita à base militar americana de Iwakuni, próxima de Hiroxima, Obama recordou aos jornalistas que a sua ida à cidade destruída pela bomba não pretendeu julgar a decisão de Harry Truman de autorizar os bombardeamentos nucleares ao Japão em 1945 ou de pedir desculpas pelo presidente que ficou com o ónus de ter autorizado o recurso à arma nuclear apenas quatro meses após ter sucedido a Franklyn Roosevelt por morte do presidente que o escolhera para assumir como seu vice em janeiro desse ano.
"É o papel dos historiadores questionarem-se... mas sei - sendo eu próprio presidente há sete anos e meio - que qualquer líder toma decisões difíceis, sobretudo em tempos de guerra", afirmou Obama diante de alguns dos 50 mil militares estacionados no Japão desde 1951, como estipulado pelo Tratado de segurança americano-japonês. Questionado sobre a decisão de lançar as bombas sobre Hiroxima e Nagasáqui, Truman disse mais tarde "não lamentar nada".
A luta contra a proliferação nuclear foi uma das bandeiras de Obama desde o primeiro dia do seu mandato. A sua inclusão do assunto na agenda mundial foi uma das razões para o Comité Nobel lhe atribuir o prémio da Paz logo em 2009. Mas um novo recenseamento do arsenal nuclear americano mostra que em 2015, o governo Obama desmantelou menos ogivas nucleares do que nos anos anteriores. Os novos dados, revelados pelo Pentágono e citados pelo New York Times, permitem ainda concluir que a atual administração foi a que menos reduziu o número de armas nucleares dos EUA desde o fim da Guerra Fria. Com o monopólio da bomba atómica até 1949, quando a União Soviética fez o primeiro ensaio nuclear (o clube das potências nucleares conta agora com nove membros - EUA, Rússia, China, Reino Unido, França, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte), os Estados Unidos têm hoje cerca de 15 mil ogivas.