Equipa do Instituto Gulbenkian de Ciência desvenda mistério com mais de 80 anos. Artigo é publicado hoje na conceituada revista
Na partilha da informação genética e das peças celulares que um novo ser herda do pai e da mãe, nem tudo são partes iguais. É assim, desde logo, para os centríolos, umas pequeníssimas estruturas que existem nas células e que são determinantes, por exemplo, para a sua divisão e proliferação. Sabia--se já desde os anos 30 do século XX que os centríolos que o novo ser herda são um exclusivo do pai. Eles vêm com o espermatozoide que fecunda o óvulo, que por sua vez perdeu os seus. Mas porquê? E que implicações tem isto na fertilidade? O grupo coordenado pela investigadora Mónica Bettencourt-Dias no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) andou sete anos a tentar desvendar o mistério e acabou por fazer uma descoberta importante: se o óvulo não perder os seus centríolos, o embrião não se desenvolve.
No artigo que publica hoje na revista Science, a equipa desvenda o mecanismo responsável pelo de-saparecimento dos centríolos no ovócito e mostra que se esse mecanismo falhar, e aquelas estruturas minúsculas permanecerem na célula, o óvulo subsequente fecundado não dá lugar a um desenvolvimento embrionário viável. Ou seja, quando os centríolos não são eliminados neste processo, as mães são inférteis.
"Tivemos de desenvolver as técnicas necessárias para isso e, pela primeira vez, conseguimos testar isto em laboratório, utilizando a mosca da fruta", explica Mónica Bettencourt-Dias. "O mecanismo pelo qual os centríolos desaparecem nos ovócitos de todos os animais era uma incógnita, e ao mesmo tempo paradoxal, uma vez que se pensava que estas estruturas eram excecionalmente estáveis. Afinal, não são estáveis e conseguimos perceber como o processo da sua perda se desenrola", sublinha a investigadora do IGC.
O trabalho laboratorial, que foi todo realizado no IGC, essencialmente por duas jovens investigadoras do grupo, Ana Marques e Inês Bento, mostrou que os centríolos são eliminados por etapas. Numa primeira fase eles perdem um revestimento que os protege e só depois disso desaparecem da célula, e o que controla a perda daquela proteção é uma pequena proteína chamada polo. Na sua presença, o revestimento não desaparece e a eliminação dos centríolos não acontece. Foi ao manipular este mecanismo em laboratório que a equipa acabou por descobrir como todo este processo é importante para a reprodução sexual e a fertilidade. Para chegar aqui foram necessários sete anos. Estas são estruturas celulares muito pequenas, pelo que foi necessário desenvolver novas técnicas de microscopia eletrónica.
Há quase dez anos no IGC, como coordenadora do grupo de investigação sobre regulação celular, Mónica Bettencourt-Dias tem hoje uma série de estudos publicados sobre estas pequenas estruturas celulares e, de alguma forma, o artigo que sai hoje na Science completa um ciclo de trabalho. "Fizemos vários estudos sobre estas estruturas, sobre como surgem, e agora sobre a forma como são eliminadas, ou seja sobre o seu nascimento e a sua morte", diz a investigadora do IGC, que se confessa satisfeita com os resultados alcan- çados. "Levou tempo mas valeu a pena."
Cada chegada, porém, é um novo ponto de partida, e esse é o caso também para esta descoberta. "Para nós, o que se segue é tentar compreender a relevância deste processo noutras células, tentar perceber se este mecanismo é geral a todas as células", adianta a investigadora. "Se isso for assim, então isto pode ser importante no estudo sobre a regeneração de tecidos e sobre o cancro."