Proposta do Bloco de Esquerda é aceite pelos médicos, que consideram essencial um diagnóstico de saúde mental
O Bloco de Esquerda (BE) pretende que a idade mínima para mudança de sexo em Portugal passe dos 18 para os 16 anos. O projeto de lei que será discutido depois das férias propõe, ainda, facilitar o processo, acabando com a obrigatoriedade de apresentação de um diagnóstico de saúde mental. Para os especialistas ouvidos pelo DN, os cidadãos devem poder mudar de sexo a partir dos 16, mas não deverá ser dispensado o relatório clínico.
"Aos 16 anos já podem casar. Porquê proibi-los de decidir o que querem? Com essa idade, a maioria já terá capacidade para o fazer", diz João Décio Ferreira, cirurgião reconhecido na área. É precisamente este um dos argumentos usados pelo BE, no projeto de lei apresentado. "A partir dos 16 anos deve ser reconhecido a qualquer pessoa o direito à autodeterminação de género. É igualmente a partir dessa idade que uma pessoa pode contrair casamento e, por essa via, emancipar-se", lê-se no documento.
A proposta do BE passa por eliminar "os requisitos abusivos e atentatórios da dignidade humana presentes no atual procedimento de reconhecimento jurídico do género", nomeadamente a "apresentação de um relatório de diagnóstico de saúde mental, colocando nas mãos de terceiros a decisão sobre a identidade das pessoas trans e de género diverso". O caminho, diz o Bloco, deve ser para uma "despatologização do reconhecimento jurídico do género".
Esta alteração proposta é, para João Décio Ferreira, o "pior que podem fazer a um transexual, porque se houver uma despatologização, o Estado deixa de comparticipar tratamentos, cirurgias. Se não é doença, não se trata".
O sexólogo Pedro de Freitas também concorda em absoluto com a alteração da idade, mas não com a dispensa do relatório de saúde mental. "Temos de ter a certeza de que a pessoa não tem uma doença mental, como a esquizofrenia, por exemplo. Pode ser um doente mental que diz que tem outro sexo e que, numa fase estável, percebe que cometeu um erro", alerta o coordenador da comissão instaladora da competência de sexologia clínica na Ordem dos Médicos.
Já o psiquiatra Afonso de Albuquerque explica que, do ponto de vista clínico, a alteração dos 18 para os 16 anos não terá impacto. "Quando nasce, o bebé tem a identidade de género definida. De uma maneira geral, o diagnóstico é feito na infância ou na adolescência", esclarece. Quanto à "despatologização", diz que "se não existe uma doença, os médicos não podem intervir de maneira nenhuma".
A revisão da Lei n.º 07/2011 tem vindo a ser pedida pela ILGA, que, inclusive, já se reuniu com vários grupos parlamentares para debater a questão. "Seguimos casos de jovens trans que antes dos 18 já vivem de acordo com a sua identidade e têm um documento de identificação que não coincide", alerta Nuno Pinto, da direção da associação. Segundo o mesmo, deve existir uma total separação "da esfera clínica do reconhecimento legal da identidade das pessoas trans", sendo essencial garantir a sua "autodeterminação e autonomia". Ainda relativamente ao relatório, Nuno Pinto ressalva: "Ninguém quererá ter documentos que não coincidem com a sua identidade."