Van der Bellen, apoiado pelos Verdes, venceu as eleições com 50,3%, mais 30 mil votos do que Norbert Hofer. Filho de refugiados do regime de Estaline é o novo presidente
Ele era russo, descendente de uma família holandesa. Ela nascera na Estónia. Nas idas e voltas do destino, acabaram por fixar-se na Áustria, nos anos 40, com o estatuto de refugiados do regime de Estaline. Dessa união nasceu, em janeiro de 1944, um rapaz. Batizaram-no com o mesmo nome do pai e do avô, figura muito respeitada na Rússia czarista. Seria difícil imaginar que aquele bebé, filho de estrangeiros, um dia ganharia as eleições presidenciais austríacas. Aconteceu ontem. Aos 72 anos, Alexander Van der Bellen derrotou o candidato da extrema-direita, Norbert Hofer. A tomada de posse como presidente está marcada para 8 de julho.
Foi uma espécie de vitória no último minuto do prolongamento. Ao final do dia de domingo, quando a contagem fechou, Hofer seguia na frente com 51,9% e uma vantagem de 144 mil votos. Mas ainda não estavam contabilizados os boletins enviados por correio. Era um dado quase certo que esses penderiam para o lado de Van der Bellen, porém faltava saber se a diferença seria suficiente para anular a desvantagem. Ontem, ao início da tarde, soube-se que sim. O candidato independente, apoiado pelos Verdes, tinha sido capaz de inverter o resultado. Van der Bellen derrotou o candidato do Partido da Liberdade (FPÖ). O photo finish revela uma diferença de 31 mil votos.
Metade do país suspirou de alívio com o resultado. Depois de ter vencido a primeira volta com 35% (Van der Bellen teve 21,3%), o homem da extrema-direita, que durante a campanha afirmou que na Áustria não há lugar para o Islão e que usou na lapela uma centáurea - flor que em tempos foi aproveitada pela simbologia nazi -, foi ultrapassado na última curva. "Claro que estou triste. Mas por favor não desanimem. O esforço investido nesta campanha não foi em vão, mas sim um investimento para o futuro", afirmou Hofer no momento de assumir a derrota.
Van der Bellen tornou-se o fiel depositante dos votos contra a extrema-direita. Ganhou nos centros urbanos e no voto das mulheres, dos jovens e dos mais escolarizados.
Os suspiros de agrado pela vitória do reformado professor de economia também vieram de fora. "É um alívio ver que os austríacos rejeitaram o populismo e o extremismo. É importante que na Europa saibamos retirar as devidas lições", afirmou o primeiro-ministro francês Manuel Valls. Afinal, em França, Marine Le Pen, da Frente Nacional, lidera as sondagens para as presidenciais do próximo ano.
A vitória do ecologista evitou que a Áustria acordasse hoje como o primeiro país da União Europeia, desde os tempos do nazismo, a eleger um chefe de Estado de extrema-direita. Mas Van der Bellen é apenas uma espécie de paracetamol político. Os sintomas continuam presentes. O FPÖ lidera as sondagens para as legislativas de 2018 com mais de 30% das intenções de voto.
O colapso do centro
Este processo eleitoral serviu sobretudo para escancarar o descontentamento dos austríacos para com o establishment político. Na primeira volta, os candidatos apoiados pelos maiores partidos - os sociais-democratas do SPÖ e os conservadores do ÖVP, que que desde a II Guerra têm partilhado entre si o poder na Áustria e que desde 2008 governam em coligação - conseguiram juntos pouco mais de 20%.
"Estas eleições presidenciais marcam o fim de uma era. A partir de agora e provavelmente por várias décadas o sistema partidário será bastante volátil", referia no sábado, em entrevista ao DN, o analista político austríaco Christoph Hofinger.
A inércia reformista do SPÖ e do ÖVP, a crise de refugiados que obrigou a Áustria a acolher 90 mil migrantes e o aumento do desemprego [que atualmente ronda os 9%] formaram o caldo que permitiu o crescimento do FPÖ.
O colapso do bloco central na primeira volta das presidenciais foi de tal magnitude que o chanceler Werner Faymann viu-se obrigado a pedir a demissão. Para o seu lugar, o SPÖ nomeou Christian Kern, gestor que ocupava o cargo de presidente da companhia nacional de comboios. É da performance deste novo chanceler que agora depende a sobrevivência do centro político nas legislativas de 2018. Se Kern falhar o mais provável é que o líder do FPÖ, Heinz-Christian Strache, vença as eleições. Nesse hipotético cenário resta saber qual será a atitude do presidente. Durante a campanha, Van der Bellen ameaçou que poderia não dar posse a um chanceler do Partido da Liberdade.
Experiência política é algo que não falta ao novo chefe de Estado. Van der Bellen foi líder dos Verdes entre 1997 e 2008, levando o partido a conquistar o estatuto de quarta maior força partidária. Agora, aos 72 anos - graças ao colapso do centro e ao receio que se gerou com uma possível vitória de Hofer -, foi eleito presidente num sprint final.
Pró-europeísta convicto, defende que o país deve fazer todos os esforços para integrar os refugiados que já recebeu e que venha a receber. "Fui testemunha de como a Áustria se ergueu das ruínas da II Guerra, causadas pela loucura do nacionalismo", afirmou durante a campanha o filho do casal que fugiu de Estaline.