Ex-Presidente foi galardoado pelos antigos alunos do ISEG, onde se formou, falando pela primeira vez desde que deixou Belém
Foi um regresso a "casa" que lhe fez lembrar uma cerimónia com 50 anos. Aníbal Cavaco Silva voltou ontem ao Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa para ser distinguido pelos Alumni Económicas, a Associação dos Antigos Alunos daquela faculdade - no dia em que a instituição completava 105 anos -, com o prémio "Carreira Económica, Política e Social", no âmbito do prémio "Antigos alunos do ano".
Há mais de dois meses em "licença sabática" - como o próprio admitiu -, Cavaco quebrou a promessa que fizera de não falar em público nos primeiros seis meses desde que deixou o Palácio de Belém - só se pronunciou em petit comité, isto é, no Conselho de Estado de 7 de abril, quando também Mario Draghi e Carlos Costa estiveram em Belém.
E fê-lo com contenção, mas com um recado subtil aos políticos. Adaptando a clássica frase, e entre elogios aos economistas, disse que "a política económica é demasiado importante para ser deixada aos políticos". "Basta ver o que aconteceu na Grécia", observou o antecessor de Marcelo Rebelo de Sousa, numa alusão ao governo liderado pelo Syriza.
Cavaco referiu que nunca lhe "passou pela cabeça" obter aquele galardão e lembrou que há 50 anos também tinha ali (Salão Nobre daquela instituição de ensino superior) estado para receber o prémio de melhor aluno de Finanças do seu ano. "Esta casa abriu-me portas para outros voos", confessou, antes de sublinhar que a decisão de ingressar no então ISCEF foi uma das decisões "mais importantes" da sua vida. "Não foi nada fácil entrar nesta casa", admitiu, ainda assim.
Mas, com ligeireza que baste, Cavaco não resistiu a fazer uma incursão pelos tempos que correm. Sem falar de política nacional - tal como não fizera à chegada à faculdade -, enalteceu o papel dos economistas na governação dos estados - "apesar dos impropérios que por vezes lhes lançam" - mas alertou: "No médio prazo, a realidade acaba por se impor e vencer a ideologia."
Sem visado definido, mas conhecidas as reservas de Cavaco à solução política que vigora no país, o recado pareceu óbvio.
Mesmo assim, Cavaco considera que uma distinção como aquela que recebeu "devia ter sido atribuída a um economia profissionalmente ativo" e "não a alguém que se auto-impôs uma licença sabática". O fundador da Alumni Económicas, Eduardo Catroga, não poderia estar mais em desacordo. O ex-ministro das Finanças justificou dizendo que o antigo Chefe do Estado só não recebeu a condecoração antes por ter estado no exercício do mais alto cargo do Estado e não regateou elogio ao homem que liderou um executivo que integrou.
Cavaco, disse, deixou uma "boa herança macroeconómica". "Foi o único aluno desta escola que foi Presidente da República", continuou. "Fez reformas em vários setores", afirmou ainda o antigo governante, para terminar com um aviso à navegação: "O esforço que fez, de convergência real, não foi devidamente aproveitado [nos anos seguintes]. A história vai dar-lhe razão, nunca fez uma política errada."
Catroga fez ainda questão de notar que o ISEG "produziu" dois primeiros-ministros (Veiga Beirão e Vitorino Magalhães), ainda que esses casos de sucesso já remontem à I República.
Seja com for, "recato" continua a ser a palavra de ordem. Cavaco, que chegou ao ISEG por volta das 20.30, de braço dado com a mulher, Maria Cavaco Silva, não abordou explicitamente qualquer tema da política nacional. Tão-pouco fez referências aos primeiros dois meses de mandato do seu sucessor. Questionado pelos jornalistas sobre como estão a correr os primeiros tempos pós-política ativa, o antigo Chefe do Estado foi parco em palavras. "Muito pacatos. E vão continuar pacatos", devolveu.
Na cerimónia, antecedida por uma conferência em que João Salgueiro e Vítor Bento foram oradores - no primeiro dos painéis, já que o segundo contou com atuais alunos do ISEG -, estiveram ainda presentes figuras como o ex-ministro da Saúde Paulo Macedo, João Salgueiro, João Duque (também professor da casa), Vítor Bento, José de Matos (presidente da CGD) ou o fundador do PSD e antigo primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão.