Bruxelas dá mais um ano para cumprir défice de 3%. Em troca exige novos compromissos por escrito para este ano e o próximo
Portugal deve apresentar até julho à Comissão Europeia (CE) mais compromissos e "mais medidas especificadas", por escrito, a aplicar neste ano e no próximo.
A equipa Juncker fez saber que ficaria bem impressionada se, por exemplo, o governo avançasse "rapidamente" com um plano de racionalização de longo prazo no Serviço Nacional de Saúde e medidas de aperto orçamental na Segurança Social de 2017 em diante. Recomendou ainda que se crie um banco mau ou esquema equivalente para "limpar os balanços dos bancos" do malparado e criticou os planos para subir o salário mínimo.
Na comunicação de ontem, a CE diz ao governo para "conduzir até fevereiro de 2017 uma revisão global da despesa em todos os níveis da administração pública e reforçar o controlo da despesa, a eficiência de custos e o processo orçamental adequado". E que deve "garantir a sustentabilidade a longo prazo do setor da saúde, sem comprometer o acesso a cuidados de saúde primários" e "reduzir a dependência do sistema de pensões das transferências orçamentais".
A tática de Bruxelas é dar mais um ano ao país para cumprir o Pacto (o défice de 3% do PIB - Produto Interno Bruto), esperando agora que o governo responda ao repto.
Em 2015, o défice foi violado em larga margem (4,4%) por causa do Banif, mas, tendo em conta a comunicação de ontem, o ajustamento final é adiado para este ano, isentando o país de sanções (multa e/ou congelamento de fundos).
Na conferência de imprensa das recomendações aos países (semestre europeu), Pierre Moscovici, comissário da Economia, revelou que estão "a propor novos prazos para que os dois países [Portugal e Espanha] corrijam os défices excessivos e assegurem um esforço estrutural que é exigente, mas que também cremos ser realista".
Assim, "propomos um ano suplementar, e apenas mais um ano, pelo que os esforços orçamentais têm de ser feitos rapidamente". "O novo prazo para Portugal é 2016, para Espanha é 2017."
Rapidamente? Até julho, de preferência. Carlos Moedas, o comissário português, responsável pela Inovação, resumiu o espírito da coisa: "É sempre bom (...) que os governos continuem a cumprir e a executar de uma maneira sólida aquilo a que se comprometeram, isso dá uma boa imagem e um bom ambiente", disse, citado pela Lusa. Lisboa "deve continuar a apresentar as reformas que vão ser feitas no futuro" e "ao mesmo tempo uma execução sem falhas" do Orçamento do Estado. E disse que a folga dada de mais um ano no défice reflete ainda o reconhecimento do ajustamento "brutal" dos últimos anos.
Moscovici quer ver "uma correção sustentável do défice em 2016 e 2017, respetivamente, mediante a tomada das medidas estruturais necessárias e da utilização de todos os ganhos extraordinários para reduzir défice e dívida".
Mas o fosso é grande entre o que vê a Comissão e o que vê o governo.
Neste ano, no défice nominal (a medida clássica em função do PIB a preços correntes), o fosso que a Comissão gostaria de ver justificado ou preenchido até julho, nem que fosse com o chamado plano B - que o governo diz não existir, mas que aplicará em caso de necessidade -, está avaliado em 700 a 800 milhões de euros (depende do PIB).
É a diferença entre o défice que a Comissão projeta (2,7% neste ano) e os 2,3% que, assume agora Bruxelas, o governo poderá apresentar, deslizando um pouco face aos 2,2% do Orçamento. Mas a aparente folga não apaga a exigência do exercício.
O Conselho das Finanças Públicas já avisou que atingir a meta "implica a especificação e a implementação atempada de medidas". Não estão "totalmente especificadas".
Ontem, António Costa, primeiro-ministro, garantiu que está tudo lá (novas poupanças e receitas) e que "não encaramos a necessidade de medidas adicionais". Fonte do Ministério da Segurança Social notou que "deixaram de ser identificadas as referências à sustentabilidade do sistema de pensões e à cobertura adequada da proteção social", como o RSI.
Mas em 2017 o fosso entre Lisboa e Bruxelas é ainda maior: 1,7 mil milhões de euros. Destes, 1,2 mil milhões devem ser medidas estruturais. A CE vê um défice de 2,3%, o governo diz 1,4%. O ajustamento estrutural (medidas para reduzir permanentemente o défice, onde estarão pensões e SNS) terá de ser o dobro do deste ano: 0,6% em vez de 0,25%.
Uma vez mais, a CE quer ver o quanto antes a lista das medidas, ponto por ponto, com todos os valores bem explicados relativamente a 2017.