Negociações de alterações na estação pública de televisão e rádio arrastam-se há quase um ano. Secretário de Estado quis fazer cortes radicais, o que obrigou Cameron a intervir
Acabar com os programas de entretenimento das manhãs e das tardes, maior diferenciação na oferta dos canais de televisão e das rádios e menos competição com os players privados, maior transparência na forma como os 3,1 mil milhões de euros do orçamento são aplicados. Eis alguns dos pontos que John Whittingdale, secretário de Estado com a tutela da comunicação social, incluiu no white paper (documento de referência com propostas governamentais) destinado a introduzir reformas na BBC, que foi publicado esta quinta-feira e discutido no Parlamento britânico.
O secretário de estado da cultura está, há quase um ano, a negociar alterações ao funcionamento da estação pública de televisão e rádio britânica. Mas as negociações têm sido alvo de duras críticas, tanto por parte da oposição trabalhista como da própria BBC. Tanto que o próprio primeiro-ministro, David Cameron, se viu forçado a intervir diretamente na mediação.
Segundo o diário britânico The Guardian, as negociações entre a tutela e a BBC são descritas como "sangrentas" e um "combate corpo a corpo". O jornal avança ainda que, na terça-feira, depois de Whittingdale ter apresentado o white paper em Downing Street, Cameron impôs algumas alterações: uma das mais importantes terá sido o valor dos ordenados que terão, daqui em diante, de ser publicamente revelados pela BBC.
O limite mínimo estabelecido pelo secretário da cultura estava fixado nos 190 mil euros anuais, mas foi alterado para os 572 mil euros/ano. Este espetro salarial deverá abranger, segundo o Telegraph, uma dezena de colaboradores da estação.
As alterações, que permitem a renovação do licenciamento da BBC por 11 anos, preveem uma avaliação a meio deste período, na qual os efeitos das medidas agora introduzidas serão analisados. A regulação, até agora a cargo de um organismo interno, o BBC Trust, passará a ser feita pelo Ofcom (o regulador para as comunicações no Reino Unido).
Os telespectadores que queiram utilizar o iplayer (serviço online onde é possível ver os conteúdos televisivos em diferido) terão de pagar uma taxa adicional. Além disso, o conselho de administração passa a ter seis elementos nomeados pelo governo e oito pela BBC (medida contestada pela estação).
A posição do secretário de estado da cultura em relação à BBC tem produzido, ao longo dos últimos meses, declarações controversas e gerado intensa discussão pública. Nomeado por Cameron em maio de 2015, Whittingdale, que em tempos afirmou que Rupert Murdoch era a figura da área dos media que mais admirava (Murdoch, dono do grupo News Corp, que detém publicações como o The Sun e o The Times em solo britânico, foi também um dos principais implicados no escândalo de escutas ilegais que levou ao encerramento do tabloide News of The World, em 2011), chegou a sugerir que a BBC partilhasse o orçamento resultante da taxa audiovisual paga pelos contribuintes com outras estações de televisão. Propôs também o cancelamento de programas líderes de audiências, como Strictly Come Dancing.
Whittingdale questionou também a sustentabilidade da estação, cujo orçamento provém apenas da taxa audiovisual. O braço-de-ferro entre Whittingdale e a BBC não deverá terminar com a apresentação do white paper. "Estas medidas são uma bomba-relógio na BBC. Embora este documento não destrua, no imediato, o serviço público, é ajuizado avisar que terá efeitos reais e devastadores a longo prazo", alertou Lord Waheed Alli, fundador da The Great BBC, campanha de defesa do serviço público.