Cardeal Dziwisz fala de Karol Wojtyla, de quem foi secretário pessoal durante quatro décadas, incluindo os 27 anos do seu pontificado
O cardeal aponta para a janela do primeiro andar onde Francisco falará aos polacos quando vier em visita no final de julho. E relembra que é a mesma janela que João Paulo II, o papa polaco, celebrizou por a transformar em púlpito improvisado todas as vezes que regressou a Cracóvia. Todo vestido de negro mas com o solidéu vermelho próprio dos cardeais, Stanislaw Dziwisz aparenta boa saúde, ele que fez há pouco 76 anos.
Tinha 19 de diferença para Karol Wojtyla, com quem mantinha uma relação que muitos em Cracóvia, cidade onde ambos foram ordenados padres, descrevem como quase de pai e filho. E por isso não admira que, mesmo passados 11 anos sobre a morte do amigo Wojtyla, Dziwisz fale com tanto entusiasmo como com carinho do homem de quem foi durante quatro décadas secretário pessoal. "Fátima? João Paulo II sempre me disse que Fátima lhe salvou a vida", conta, olhando para cima por uns segundos.
Estamos na sala nobre do palácio dos arcebispos de Cracóvia, antiga capital da Polónia, bastião do catolicismo e palco da Próxima Jornada Mundial da Juventude, de 26 a 31 de julho, pretexto para a visita de Francisco. Foi Bento XVI quem nomeou Dziwisz arcebispo, cumprindo um desejo de João Paulo II. Foi também o atual papa emérito que o fez cardeal em 2006. Por isso, o cardeal de Cracóvia participou já na eleição de Francisco em 2013, o qual espera que na visita à Polónia atraia verdadeiras multidões. Para a missa final num vasto terreno na periferia da cidade são esperados dois a três milhões de pessoas.
O papa e a queda do comunismo
O encontro com o pequeno grupo de jornalistas estrangeiros é sobre a Jornada Mundial da Juventude, mas o cardeal está aberto a perguntas sobre outros temas. Primeiro cumprimenta um a um e pergunta de que país vem: "De Portugal? Não falo português", diz num português com forte sotaque, sorrindo. Falará depois sempre em polaco, com tradução, mas sabe--se que está à vontade pelo menos em inglês e em italiano, ele que esteve com João Paulo II no Vaticano durante os 27 anos de pontificado e é uma das poucas pessoas referidas no testamento de Wojtyla.
"A relação de João Paulo II com Fátima? Isso é uma longa história", diz o cardeal Dziwisz num tom meio brincalhão. Mas depois começa a falar: "João Paulo II redescobriu a mensagem de Fátima depois do atentado. E repetidamente disse que Fátima lhe salvou a vida." E prossegue, aludindo à importância da mensagem de Fátima nas mudanças que houve na Europa de Leste durante o pontificado do papa polaco, visto como inspirador dos movimentos pró-democracia, sobretudo do Solidariedade liderado por Lech Walesa, o carismático eletricista de Gdansk. "Foi uma extraordinária revolução a queda do comunismo sem derrame de sangue", conclui Dziwisz.
Já esteve em Portugal várias vezes, mesmo depois de ser cardeal. E em 2008 recebeu em Cracóvia o então presidente Aníbal Cavaco Silva, que estava de visita oficial à Polónia. É curioso que o presidente português, que era primeiro--ministro durante os anos finais da Guerra Fria, tenha se encontrado tanto com Walesa, em Varsóvia, como com Stanislaw Dziwisz.
Em Cracóvia, na última semana de julho, são esperados jovens peregrinos de mais de 180 países, com algumas centenas no mínimo a virem de Portugal. "Será uma oportunidade para os jovens celebrarem a vida espiritual", declarou o cardeal. E sobre o peso do catolicismo hoje no seu país e não só, Dziwisz, considerado um membro da ala conservadora da Igreja, fez questão de relembrar que "a Europa foi construída com base nos valores cristãos. E se nos desligarmos dessas raízes, a árvore cai".
A capela do padre Wojtyla
Na parede da sala onde o cardeal continua à conversa, uma pintura mostra João Paulo II ajoelhado a rezar, já vestido com o branco papal. E na famosa janela também surge a figura do falecido papa. Aliás, todo o palácio do arcebispo está muito relacionado com Wojtyla, pois este frequentou aqui o seminário clandestino dos anos da ocupação nazi e foi ordenado padre em 1946 na capela que fica no piso térreo e que hoje está cheia com um grupo de visitantes dos Estados Unidos. " Viemos da Califórnia", esclarece uma mulher jovem com a T-shirt a dizer "Eucharistic Servants of the Divine Mercy" como as amigas. Foi neste edifício também que Stanislaw Dziwisz começou em 1966 a trabalhar com Karol Wojtyla, recém-nomeado arcebispo de Cracóvia.
Um ano depois do atentado pelo turco Ali Agca em Roma, a 13 de maio de 1981, Dziwisz estava com João Paulo II em Fátima quando um padre ultraconservador espanhol esfaqueou o papa. Mais tarde, o hoje cardeal de Cracóvia contou que João Paulo II fora mesmo ferido, mas prosseguiu como se nada fosse para manter a calma entre os peregrinos presentes na cidade portuguesa.