Torres Vedras investe na integração da comunidade cigana através do emprego. Problema é quando acabam os programas nacionais e comunitários. Sem escolaridade obrigatória não podem entrar para setor pública
Os miúdos andavam a portar-se mal, andavam à chapada". Lindo Cambão, o facilitador cigano de Torres Vedras, foi à escola."Tive uma conversa com eles e foi o suficiente, está tudo tranquilo". Liliana Cruz, técnica da divisão de desenvolvimento social, confirma: "Se calhar, se fosse eu teria sido diferente." Lindo também obteve resultados quando falou com os encarregados de educação de uma aluna que não aparecia nas aulas. "Falei duas vezes e foi diferente". Às vezes, "são os pais que já me perguntam como vão as coisas". E, ainda, quando teve de mediar um conflito entre a população e uma família cigana nómada.
Lindo Cambão, 37 anos, 6.º ano, faz a aproximação entre a comunidade cigana e as instituições públicos. É o dinamizador do Grupo de Ação Comunitária (GAC) de Torres Vedras, município que a par de outros seis aderiu ao programa europeu ROMED 2 (ver texto ao lado). Cumpre um horário das 09:00 às 17:00, com direito a gabinete, além das vezes que é chamado para mediar conflitos, dinamizar atividades e ouvir as queixas das suas gentes. E, se antigamente entendia que esses protestos tinham todos razão, hoje percebe o ponto de vista de quem está do outro lado do guichet. "Até pela forma como dizemos as coisas, na nossa linguagem, ajuda a que percebam melhor. E também lhes digo que não pode ser tudo como eles querem e que isso não tem a ver com o facto da funcionária ser ou não antipática".
Lindo era feirante e colabora com a Câmara Municipal de Torres Vedras, desde 2014, ao abrigo da medida CEI +, para desempregados e beneficiários do rendimento social de inserção (RSI). Agora está como estagiário, ganhando 620 euros mensais com o subsídio de refeição, salário pago pela autarquia.
"Pode haver pessoas que gostam de receber o RSI, eu penso que se puder trabalhar, contribuir para a sociedade, é muito melhor, não sou um parasita da sociedade", defende Lindo Cambão. Mas todos os ciganos pensarão assim? "O que eles pensam não sei, agora também não lhes dão oportunidade. O meu irmão pediu emprego num estabelecimento e disseram que era velho. Uma semana depois meteram lá uma pessoa mais velha".
Autarquia e comunidade cigana elogiam a parceria, o problema é garantir a continuidade dos trabalhadores ciganos. "Bem gostávamos de contratar estas pessoas, mas ninguém pode entrar para a função pública sem a escolaridade obrigatória e eles não a têm", justifica Liliana Cruz. É psicóloga, técnica superior na divisão de desenvolvimento social da autarquia de Torres Vedras ocupando-se da habitação social. Conhece bem a comunidade cigana, razão pela qual ficou responsável pela aplicação do programa ROMED 2.
Além de Lindo Cambão, está a pensar na Carina (refeitório), na Filomena (jardim de infância), no Mário e no Danilo (espaços verdes). Estes quatro trabalham desde janeiro ao abrigo da medida CEI+, recebendo 530 euros mensais líquidos com o subsídio de refeição. Brevemente irá juntar-se-lhes um quinto elemento como jardineiro. Têm um horário laboral a tempo inteiro e não há problemas de assiduidade. "Cumpre o horário como as outras, agora imprevistos na vida todos temos e se tiver que se ausentar fala comigo, como é usual", diz Joana Lima, a chefe da Carina. "Além de que a comunidade cigana tem uma família grande e pronta a apoiar".
Os postos de trabalho surgiram no âmbito do trabalho do GAC. O grupo é constituído por voluntários ciganos que identificam os problemas da comunidade. E uma das propostas que fizeram foi a autarquia empregar ciganos. A outra foi um pedido de apoio ao pagamento da renda da sede da Igreja Evangélica local e, em contrapartida, fizeram uma recolha de alimentos para a população carenciada. A próxima iniciativa é uma mostra da gastronomia cigana.
Carina Carmo, 34 anos, tem o 4.º ano, entra às 08:00 no refeitório da Escola EB da Conquinha, e sai às 16:00. Os filhos mais velhos, de 7 e 11, andam na escola, e o mais novo, de 2, fica com a sogra. "Tem corrido bem. A feira já não dá nada. Vim para a cozinha porque era onde gostava de trabalhar". Faz parte da equipa de 11 pessoas que todos os dias confecionam mil almoços.
Carina é a mulher de Lindo, há 14 anos, uma união que escolheram. Querem que os filhos sigam os estudos - Lindo tem esperança que o filho, de 11, se torne uma estrela do hóquei em patins, o rapaz já é disputado - e, ao contrário da maioria dos ciganos, não vive num bairro social. "Não havia casa e fomos para um apartamento. O facto de querermos trabalhar não tem nada a ver com o sítio onde se mora", asseguram. A prova é a prima, Filomena Monteiro, 34 anos. É auxiliar no jardim de infância da mesma escola, das 09:00 às 17:00, enquanto o marido faz as feiras. "Gosto de estar com crianças e tenho um ordenado ao fim do mês. O meu marido achou bem".Tem três filhos, de 4, 7 e 14 anos.
Liliana Cruz ouve e comenta: "A comunidade cigana de Torres Vedras é muito fechada, a mulher trabalhar e o marido ficar em casa, custa a aceitar". Acredita que vai levar tempo, mas que daqui a 50 anos as coisas serão bem diferentes, até "porque estão integrados, os filhos vão à escola, etc". Se têm sucesso escolar é outra questão, que acredita será ultrapassada. Todos da mesma família, também do ex-presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, Carlos Miguel, agora secretário de Estado das Autarquias Locais. Liliana Cruz garante que a seleção foi por mérito e ressalva que os ciganos são praticamente todos familiares. Em Torres Vedras há três ramos: os Miguéis, os Fernandes e os Cesteiros.