Sérgio Pedro, jurista de 25 anos, é um dos porta-vozes da plataforma que contesta o tratado transatlântico entre a União Europeia (UE) e os EUA para o comércio e o investimento (TTIP na sigla em inglês).
A plataforma, que lançou há dias uma petição na internet, exige que os partidos peçam a suspensão das negociações e votem o CETA, acordo entre a UE e o Canadá que diz abrir caminho ao tratado com Washington. Entretanto, denuncia os riscos para a saúde pública e para os trabalhadores.
Uma das críticas ao TTIP prende-se com a falta de informação. É uma negociação pouco transparente?
Desde o início, é uma das principais questões que apontamos neste tipo de negociações, não só do TTIP mas também de outros acordos como o CETA, entre a União Europeia (UE) e o Canadá, que são feitas de forma bastante opaca. Isso não se justifica no século XXI, sobretudo quando a UE sempre foi considerada uma referência em termos de respeito pelos direitos humanos e de promoção da democracia.
Porquê tanto secretismo?
Para facilitar as negociações. Existem encontros frequentes promovidos pela UE e pela delegação do Departamento de Comércio dos EUA. E há a obrigatoriedade, apesar de não ser respeitada na totalidade, de divulgar quem participa. São sobretudo interesses corporativos. No caso da Comissão Europeia, dois terços são corporações e apenas um terço são organizações não governamentais ou associações. O objetivo é também não suscitar grande celeuma na sociedade civil para que, à medida que se chega ao fim das negociações, o TTIP seja mais um ato consumado. É o que já se verifica, neste momento, com o CETA.
Os documentos que a Greenpeace divulgou não deixam dúvidas sobre a interferência dos EUA nos processos de decisão da Europa, ao nível da UE e também junto de cada país?
O acordo começou a ser negociado quando era ministro dos Negócios Estrangeiros o ex-presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Rui Machete. Isso já revela o envolvimento de Portugal nestas questões. Sempre foi um grande promotor do TTIP e do CETA. Há hoje muitas pressões. Várias empresas norte-americanas fizeram comunicações mais formais junto de países e associações sindicais para convencê-los a aceitar as propostas no âmbito do TTIP. É proposto um mecanismo que visa a cooperação regulatória, uma harmonização legislativa para facilitar as trocas comerciais e o investimento. Inclui um comité de peritos, que não sabemos de onde vêm. Tomarão decisões sem caráter vinculativo mas com forte caráter político. Serão depois apresentadas à Comissão e ao Parlamento Europeu para forçar a aprovação de determinada questão.
A porta-voz da Greenpeace na Holanda, Faiza Oulahsen, diz que, se o Parlamento português quiser votar uma proposta, os EUA querem pronunciar-se antes de ser divulgada.
Sim. Qualquer alteração legislativa deve ser comunicada. A Comissão, sempre que quer regular uma questão e alterar leis faz algo que vai contra os seus princípios fundadores: consulta primeiro as indústrias. E fará isso com os EUA. O mecanismo legitima essa obrigatoriedade.
O Parlamento português será obrigado a isso? Para que tipo de leis?
Terá de consultar o comité. Se o TTIP for ratificado no final deste ano, podem ser postas em causa, junto do Governo, a rejeição da aplicação do glifosato em espaços públicos e a proibição de culturas transgénicas em Portugal. O mesmo sucede com alterações na legislação laboral, regras de competitividade e incentivos fiscais às pequenas e médias empresas. Tudo isto terá de ser reportado numa inversão da hierarquia de interesses: primeiro os lóbis corporativos, depois os cidadãos.
A entrada de pesticidas e herbicidas exige hoje aprovação de Bruxelas. E o Parlamento Europeu propôs este ano restrições ao glifosato, um herbicida que Washington há muito defende e que Portugal admite proibir nos centros urbanos. Segundo a Greenpeace, o acordo abre a porta a produtos tóxicos dos EUA até agora proibidos na Europa. Há esse risco?
Sim. A UE tem uma diretiva, a REACH, que se baseia no princípio da precaução. Uma nova substância ou um novo produto que queira ser aprovado no mercado europeu tem de ser apresentado a um painel científico para se demonstrar que não constitui uma ameaça social ou ambiental para os cidadãos. O princípio de precaução diz que, na dúvida, não se aprova. E foi isto que travou, nos últimos 10 anos, grande parte dos químicos propostos por algumas empresas norte-americanas.
Há então riscos para o consumidor?
O tratado representa uma harmonização legislativa no sentido da não informação ao público sobre que tipo de produtos consume. A legislação de produtos orgânicos foi reavaliada em fevereiro e esse processo, que foi rejeitado, revelou uma forte influência das negociações do TTIP. Grande parte das medidas iam no sentido de enfraquecer a legislação europeia e alargar o conceito de orgânico, incluindo a produtos tóxicos. O TTIP representa uma ameaça à saúde pública, e a perda de poder de decisão por parte do consumidor e de soberania alimentar.
O princípio da UE de que as mercadorias devem ser certificadas como seguras tem travado a importação de alimentos geneticamente modificados e de carne tratada com hormonas dos EUA. Isso vai mudar?
Se este acordo for ratificado, esses produtos poderão entrar.
E os direitos laborais também estão em risco?
O TTIP e o CETA podem colocar em causa os direitos de negociação coletiva, que são a base fundamental do modelo empresarial português. Eles dificultam a negociação coletiva, a organização e fomentam a precariedade do trabalho, harmonizando, com base nos EUA, por exemplo a proteção no desemprego e outros direitos que serão diminuídos. É uma corrida para o fundo, uma corrida para baixo.
O que ganha a União Europeia com este acordo?
Existem benefícios. E há três tipos de argumentos. Primeiro, o incremento da exportação de produtos ou serviços muito específicos. É o caso dos produtos de origem controlada (DOC). Depois, temos falsos argumentos positivos, sobretudo dois que são mais identificados por associações e confederações empresariais em Portugal. Um deles é o aumento das exportações no setor agrícola, de legumes e frutas. Há um fator que não é considerado. Em termos de produção deste tipo de produtos, os estados do sul dos EUA são extremamente bem sucedidos.
Os EUA exigem um aumento do mercado agrícola europeu sob ameaça de dificultarem a exportação de carros da UE?
Os EUA, com base nos documentos que foram divulgados, exigem uma abolição completa das taxas alfandegárias do produtos agrícolas. Em termos de têxteis, que são o terceiro argumento, diz-se que este acordo irá beneficiar a exportação. Todavia, os representantes das associações de produtores não referem um aspeto fundamental: o TTIP está a ser negociado com países do norte e do centro da América, e com os países do Pacífico, que são os maiores exportadores mundiais de têxteis. Ou seja, iriam exportar para os EUA e estes exportariam para a Europa. Se, em Portugal, os produtores já se queixam que, desde a abertura aos têxteis da China, houve uma enorme diminuição da produção nacional, então a abertura a estes produtos seria muito má para o nosso país e iria diminuir a competitividade nacional.
A plataforma a que pertence lançou na internet uma petição para que os partidos votem e enviem à UE uma moção que trave as negociações do TTIP?
Queremos dos partidos uma posição de repúdio, um apelo à suspensão das negociações do TTIP e a votação no Parlamento do CETA, que é um primeiro teste à entrada em vigor de acordos como o TTIP.