Comissão permanente, o órgão informal que surgiu após a última convenção, acaba. Quatro anos após a saída de Louçã, BE volta a ter apenas um coordenador
Quatro anos depois da saída de Francisco Louçã, o Bloco de Esquerda (BE) deverá voltar a ter formalmente um único coordenador. Neste caso, coordenadora. Catarina Martins vai deixar de ser porta-voz dos bloquistas e, após a X Convenção, que se realiza a 25 e 26 de junho, deverá assumir-se como a única líder do partido.
Ainda que na prática já o fosse, agora haverá uma assunção, preto no branco, desse papel. Ao invés da solução que vigorou nos últimos dois anos, com uma direção restrita e paritária com seis elementos. A moção que as principais tendências bloquistas levam à reunião magna já dá pistas nesse sentido e o DN sabe que a fórmula encontrada em 2014, uma comissão permanente com seis elementos (para ajudar a que o partido ultrapassasse a crise que enfrentava), deverá desaparecer.
No documento intitulado "Força da esperança - o Bloco à conquista da maioria", que é subscrito pelas duas correntes maioritárias, a Plataforma Unitária (da própria Catarina, Jorge Costa e Pedro Soares) e a Esquerda Alternativa (de Pedro Filipe Soares, Joana Mortágua e Mariana Aiveca), e ainda pela antiga moção B, "Refundar o Bloco" (de Adelino Fortunato, Paulino Ascenção e Helena Figueiredo), já são dadas pistas sobre o que deverá acontecer na convenção.
No último parágrafo de uma moção que tem oito páginas pode ler-se que "os órgãos nacionais do Bloco de Esquerda, em todos os níveis, assumem a representação proporcional das orientações sufragadas" no conclave, mas há mais. E os sinais são inequívocos: "A comissão política (CP) elege um secretariado, responsável entre reuniões da CP pela condução política e organizativa, e é coordenada pelo/a dirigente que encabeça a lista mais votada à Mesa Nacional."
O mesmo será dizer que Catarina vai assumir a solo a coordenação do BE, pois encabeçará a lista à Mesa Nacional, o órgão máximo do partido entre convenções.
No texto não existe, de resto, qualquer referência à comissão permanente, um órgão informal e sem amparo estatutário, que surgiu em dezembro de 2014, após a IX Convenção. Por deliberação da Mesa Nacional e para ajudar a sarar as feridas da disputa interna entre as duas principais sensibilidades - Pedro Filipe Soares desafiou os então coordenadores, João Semedo e Catarina Martins.
Isto porque no último conclave verificou-se um empate na corrida à Mesa Nacional (da qual emana a direção) entre a Plataforma Unitária e a Esquerda Alternativa - cada moção recolheu 259 votos. E o impasse em que o Bloco mergulhou, que durou uma semana e que implicou intensas negociações de bastidores, só foi resolvido com uma direção paritária, a seis, proporcional à expressão das moções que foram discutidas - em vez da liderança bicéfala (Catarina Martins e João Semedo) que existia desde o final de 2012.
Assim, Catarina Martins e Pedro Soares preencheram a quota da moção U (a mais votada na convenção), Pedro Filipe Soares e Joana Mortágua foram indicados pela moção E, Adelino Fortunato ocupava a vaga destinada à moção B e Nuno Moniz foi o representante da moção B (a única destas que agora não assina a moção que enterra em definitivo os "machados de guerra").
Extinguindo-se a comissão permanente, deverá voltar a funcionar em pleno o secretariado nacional, que, ao abrigo dos estatutos do Bloco, é eleito pela comissão política e assegura as "tarefas de coordenação executiva" do partido. No fundo, será o órgão de gestão política quotidiano.
Quanto ao teor da moção propriamente dito, Catarina Martins assegurou ontem que esta não visa criar quaisquer embaraços ou condicionar a maioria de esquerda, mas reflete apenas o contributo que o BE quer dar ao país.
"Não é uma moção para criar nenhum problema a uma maioria parlamentar que recupere rendimentos. É um contributo para uma estratégia para garantir que essa recuperação de rendimentos é sustentada no tempo", respondeu aos jornalistas no Parlamento, à margem de uma audição pública sobre contratação coletiva.
Tão-pouco, prosseguiu a porta-voz bloquista, é uma forma de pressão ou um conjunto de recados a António Costa. "Não é uma resposta ao PS, não é uma resposta à Comissão Europeia, não é uma resposta ao sistema financeiro", explicou. "A maioria parlamentar assenta na recuperação de rendimentos do trabalho e na proteção do Estado social. O sistema financeiro é um risco para essa estratégia. Não existir uma estratégia para a economia é um risco para essa estratégia. O BE não é um risco. O BE faz as propostas que são necessárias para proteger o país", garantiu ainda Catarina.
E para demonstrar a fidelidade à plataforma que suporta o executivo do PS, a líder do BE notou que foi o seu partido o primeiro a trabalhar para que a "geringonça" vingasse, apesar de ter frisado que "não tem muito sentido" admitir-se que teria de falar com António Costa sobre a moção. "Somos um elemento de estabilidade e determinação nessa maioria. Nada disso está em causa", observou.
Questionada se os bloquistas tiveram a oportunidade de "acalmar" as reações ao texto, Catarina Martins foi perentória: "Alguém está a precisar de ser acalmado? Não me parece." Com Lusa