Desdramatizar, homenagear e reforçar. São palavras que o Presidente da República leva na ponta da língua para Moçambique. Numa visita que, apesar da tensão política, "nunca esteve em risco"
Maputo recebe hoje o Presidente da República em clima de tensão política e económica.
No regresso à "segunda pátria" - o pai, Baltazar Rebelo de Sousa, foi governador-geral entre 1968 e 1970 - vai encontrar um país mergulhado numa profunda crise financeira e com margens de crescimento abaixo dos 7% a que se habituou nos últimos dez anos. Ao mesmo tempo, Moçambique regista uma taxa de inflação galopante que resulta da quebra dos preços das matérias-primas e o governo enfrenta acusações de esconder dívida pública. É neste ambiente de degradação da reputação económica que emerge também um clima crescente de instabilidade política com a Frelimo e a Renamo a trocarem acusações quase diárias de responsabilidade em emboscadas aos seus dirigentes.
É nesta atmosfera que Marcelo aterra hoje em Maputo para aquela que é, oficialmente, a sua primeira visita de Estado e que, asseguram fontes diplomáticas, "nunca esteve em risco", apesar do clima de contestação crescente, com manifestações e greves convocadas pelas redes sociais precisamente para esta semana. Embora já tenha realizado outras deslocações ao exterior - a viagem inaugural da sua presidência foi ao Vaticano para apresentar cumprimentos ao Papa Francisco -, o Presidente da República atribui grande significado a esta ida a Moçambique por se tratar de um país que, com Portugal, integra a CPLP e que mantém "excelentes relações" de amizade e cooperação. O simbolismo pretende também demonstrar que, para o Presidente da República, é prioritária a manutenção da aposta no eixo com os países da lusofonia. Mas, se cá dentro Marcelo põe as fichas todas no papel de mediador que quer descrispar e promover consensos entre os diversos partidos, não é a isso que se propõe na sua passagem por Moçambique. Ao DN, fontes diplomáticas asseguraram que "o Presidente da República não vai a Maputo para ser mediador. Queremos acreditar que os moçambicanos conseguirão ultrapassar por eles próprios os diferendos que têm. Assim se empenhem todos nesse sentido. Se não estiverem todos empenhados ou se não houver cumprimento da lei, isso depende dos próprios". As mesmas fontes acrescentam que não faz sentido qualquer tipo de ingerência nos assuntos internos do país, uma vez que "Moçambique é um país soberano e não são os estrangeiros que têm de encontrar soluções para os problemas".
Sintonia com o governo
Marcelo Rebelo de Sousa leva a Moçambique uma comitiva reduzida de 27 pessoas, esmagadoramente composta por operacionais do Palácio de Belém. Uma das marcas que o Presidente da República pretende introduzir é a alteração do paradigma das visitas de Estado em que, além do staff presidencial, havia sempre uma gigantesca delegação empresarial e um desfile de membros do governo a preceder o Presidente. A acompanhar Marcelo vão estar apenas dois secretários de Estado, a dos Negócios Estrangeiros e Cooperação e o da Defesa Nacional. A representação governamental minimalista é encarada em Belém com total normalidade. "Não se pode ver na ausência de ministros qualquer sinal de menor prioridade. O governo está a preparar, para o último trimestre deste ano, a realização em Maputo da terceira cimeira bilateral, e será aí que se registará o momento substantivo da relação entre os dois países", desdramatiza fonte diplomática. No mesmo sentido, outra fonte ouvida pelo DN sublinha que esta "é uma visita não executiva, a do governo será complementar. São coisas diferentes, em momentos diferentes, que dão complementaridade à visita de Estado do Presidente da República".
Sempre a abrir
A agenda dos quatro dias desta visita é, tal como Marcelo Rebelo de Sousa, frenética. Entre cada compromisso medeia, quase sempre, pouco mais de uma hora. O objetivo que o Presidente da República traz na bagagem é enaltecer e promover os exemplos positivos da cooperação entre Portugal e Moçambique e reforçar ainda mais os laços entre os dois países.
Apesar da enorme componente emocional, o Chefe do Estado não quer fazer desta uma viagem ao passado e à memória. Com enfoque particular no plano político e institucional - Marcelo tem agendados três encontros com o presidente Filipe Nyusi, que lhe dirigiu o convite para visitar Moçambique quando esteve em Lisboa na tomada de posse do novo Presidente da República e uma ida ao Parlamento -, há também espaço para a educação, a cultura e o mundo dos negócios. Com deslocações a várias escolas e eventos culturais, Marcelo quer homenagear os empresários portugueses e outros membros da comunidade que, apesar da crise económica e da instabilidade política, não desistem de Moçambique e resistem à tentação fácil de deslocalizar os seus investimentos. Para isso, vai realizar um almoço onde estarão, entre outros, António Mota, Jorge Coelho, Nuno Morais Sarmento, representantes da Caixa Geral de Depósitos e do Millennium, da Visabeira, da Galp, da Portucel e, pela CIP, Bruno Bobone.
Ao mesmo tempo, vai valorizar os projetos de educação e formação profissional e manterá encontros com antigos bolseiros moçambicanos da cooperação que estudaram em universidades portuguesas. Além de um jantar de homenagem a 150 criadores artísticos e culturais onde estarão, entre outros, os escritores Paulina Chiziane, Mia Couto e Luís Bernardo Mondlane ou o filho do pintor Malangatana, velho amigo de Marcelo que morreu em Matosinhos em 2011. Lá como cá, Marcelo sabe que os afetos são a alma do negócio. E por isso leva a bagagem cheia para distribuir.