Sérgio Sousa Pinto recusa falar sobre António Costa, mas mantém a posição que o levou a sair do secretariado nacional do PS: insiste que a legitimidade do partido para formar governo depois da "derrota profunda" de outubro é débil.
E não se conforma com a "rábula" de um partido que agora "parece condenado a gerir as suas duras realidades enquanto outros partidos de esquerda", ironiza, "arrancam admiráveis propostas para o país".
Na sua primeira entrevista depois da demissão, o mais intrépido dos deputados socialistas avisa que o BE quer ocupar o lugar do PS, mas acredita que a legislatura será cumprida, mesmo que o governo venha a aplicar mais medidas de austeridade. "Ninguém quer arcar com a responsabilidade de entregar o país à direita", afirmou ao JN.
A sua demissão do secretariado nacional do PS depois das eleições legislativas foi considerada precipitada. A esta distância, admite que foi excesso de voluntarismo?
Não. Admito que não me senti confortável com a solução encontrada. Ao contrário da coligação de direita, do BE e do PCP, o PS saiu profundamente derrotado das eleições. Acho questionável que se tenha constituído uma solução política no vértice da qual está o PS.
Antes das eleições, defendeu que a vitória da direita seria "um atestado da nulidade política da esquerda socialista". Que consequência tirou desse atestado?
Não me mascarei de vencedor, embora sinta que me roubaram uma derrota honrada. Mas realmente a vitória da direita foi alcançada contra todas as probabilidades. Como é possível ter vencido ao fim de quatro anos de crueldade social?
Também antes das eleições, disse que era preciso "acabar com a ideia de que a impossibilidade de uma acordo os partidos de esquerda é responsabilidade do PS". Por que razão mudou de opinião?
Não mudei. O PS perdeu as eleições e foi desafiado pela extrema-esquerda, que já tinha derrubado governos do PS, a colaborar numa estratégia que arredasse do poder o partido que ganhou as eleições. Não é exatamente a mesma coisa. Quando no PS se estabeleceu a doutrina de que não há nenhuma razão para que o PS não mantenha um diálogo construtivo à esquerda, o que sempre se pretendeu dizer é que se o PS falhasse a maioria absoluta deveria conversar com os outros parceiros da esquerda. O que nunca se discutiu foi a possibilidade de o PS falhar a própria maioria relativa e formar um governo com o apoio dos partidos de esquerda, numa situação de enorme precariedade e de débil legitimidade.
O apoio dessa esquerda não lhe merece o benefício da dúvida?
Não só merece, como espero que este governo seja bem sucedido. É essencial para o país e para o PS. Mas as minhas reservas não perderam a justificação. O líder do partido mais votado deve ser primeiro-ministro.