Linchamento de mulher devido a boato do Facebook choca Brasil e mundo
Caso de linchamento até à morte de uma mulher no Brasil a partir de um boato está a chocar o país - o país que achava que já não se chocava com mais nada.
O linchamento de uma mulher na sequência de um boato publicado na rede social Facebook está a chocar o Brasil e o mundo. O caso ocorreu no Guarujá, uma cidade a cerca de 100 quilómetros de São Paulo, há menos de uma semana. Dados os contornos grotescos, parece saído de um conto medieval.
Fabiane de Jesus, uma dona de casa de 33 anos, fazia o caminho da igreja para o apartamento quando foi atacada por 10 homens que a espancaram durante duas horas levando à sua morte, momentos depois no hospital da cidade do litoral paulista.
Mas este foi apenas o último de uma sucessão de acontecimentos tão assustadores quanto absurdos. Fabiane, casada e mãe de duas filhas, foi confundida numa página de Facebook do jornal local “Guarujá Alerta” com uma mulher que sequestrava crianças para fazer rituais de magia negra.
Alguém juntou um retrato falado de uma mulher acusada do mesmo crime há dois anos no Rio de Janeiro, a mais de 400 quilómetros do local, e que não tinha nada a ver com o caso em questão. A seguir, outra pessoa anexou uma foto sem ligação nem ao caso do Guarujá, nem ao do Rio.
Anexadas as duas fotos, alguém, de entre os 3000 utilizadores do jornal, viu na rua Fabiane a voltar da igreja, encontrou semelhanças e alertou os outros para a possibilidade de ser ela a sequestradora. Parte do espancamento foi gravado em vídeo.
A dona de casa foi dada como morta horas depois para desespero da família e amigos. Fabiane sofria de distúrbio bipolar, mas tinha boa relação com os mais próximos e a comunidade, além de ausência de qualquer ficha criminal.
"A culpa é da internet"
A polícia, entretanto, prendeu um suspeito, Valmir Barbosa. “O pessoal dizia ‘Bate, pega ela, pega ela’. E eu matei, estou arrependido, mas agora isso vale do quê?”, afirmou Valmir, antes de contar que estava sob o efeito de drogas na altura do linchamento.
Outro acusado, Jonas Tiago, reagiu acusando: “A culpa não é da comunidade, é da internet, ou será que agora querem prender todo o mundo?”. O autor do jornal digital defende que, em nenhum momento, incitou à violência ou divulgou fotos ou retratos.
Idade 'media'
O caso ocorre menos de três meses depois de uma pivô do telejornal do SBT, o terceiro canal mais visto no Brasil, ter apoiado a decisão de uma comunidade no Rio de Janeiro de prender um jovem assaltante pelo pescoço a um poste com um cadeado de bicicleta.
“A atitude dos vingadores é compreensível, os direitos humanos só defendem bandidos”, disse a apresentadora Raquel Sheherazade num espaço de opinião em directo. O SBT decidiu na sequência cortar as opiniões da pivô.
O debate no Brasil vem ganhando outra dimensão, à medida em que cada vez mais pessoas defendem a justiça popular para travar a violência, a impunidade e o suposto descaso da polícia e da justiça formal.
Conceitos medievais, como o linchamento, unem-se a realidades contemporâneas, como o uso de redes sociais. “É a idade ‘media’”, resumiu a jornalista da Record News Rosana Hermann, “ou a idade das telas”, num jogo de palavras com Idade Média e Idade das Trevas.
E, de repente, no Brasil do século XXI, sétima economia do mundo e palco dos próximos Mundiais e Jogos Olímpicos, a lei do “olho por olho” volta a estar na ordem do dia.