Ativistas de direitos humanos e familiares denunciam que são cada vez mais frequentes desaparecimentos forçados, perseguições por motivos políticos e outros abusos contra tártaros da Crimeia, jornalistas e residentes pró-ucranianos na península anexada pela Rússia, segundo testemunhos hoje conhecidos.
"A Rússia transformou a Crimeia numa prisão para as pessoas que sequestrou nos territórios ocupados", disse Volodymyr Chekrygin, vice-presidente da organização Grupo de Direitos Humanos da Crimeia (CHRG), em declarações à agência espanhola EFE.
O ativista disse que pelo menos 110 pessoas estão detidas antes de serem julgadas numa instalação secreta do Serviço Federal de Segurança da Rússia na cidade de Simferopol, muitas sem acusações oficiais.
Segundo os autores de uma exposição fotográfica que documenta a repressão na Crimeia, a escolha da península no Mar Negro para estes fins deve-se ao facto de, desde a sua anexação forçada em 2014, Moscovo ter tido nove anos para aperfeiçoar os seus mecanismos de perseguição.
"O meu filho Valentyn está detido ilegalmente desde 2014, acusado de espionagem", disse na segunda-feira o presidente da Associação de Famílias de Presos Políticos da Crimeia, Petro Vygivskyi.
Valentyn está entre os cerca de 150 presos políticos atualmente detidos de acordo com a organização, muitos dos quais tártaros da Crimeia.
Esta minoria étnica foi deportada à força para a Ásia Central em 1945, no período soviético, e apenas há 30 anos alguns conseguiram voltar para as suas casas na península.
Os tártaros da Crimeia opuseram-se amplamente à anexação deste território pela Rússia e, só em 2022, várias dezenas foram condenados a penas entre nove e 11 anos de prisão por acusações de extremismo e terrorismo.
As fotos tiradas por Aliona Savchuk, Alina Smutko e Taras Ibragimov entre 2014 e 2019 capturam uma atmosfera de crescente repressão enquanto os seus familiares tentam prosseguir as suas vidas sob vigilância constante.
"É importante lembrar que por trás de cada número ou nome existem pessoas reais. Os presos têm esposas, pais, filhos, alguns dos quais nunca viram os pais", enfatizou Savchuk.
A invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado, piorou ainda mais a situação, segundo Maria Tomak, adicionando que o quase completo isolamento da Crimeia tornou mais difícil e perigoso obter informações de lá.
Além disso, os jornalistas têm sido um dos grupos mais reprimidos e pelo menos 15 estão presos.
A jornalista Iryna Danilovych, sequestrada numa paragem de autocarro na cidade de Koktebel, está detida há quase um ano e o seu advogado não foi informado do seu paradeiro até 13 dias após a sua captura, explicou Chekrygin.
Depois de ser forçada a assinar documentos sob tortura, foi condenada a sete anos de prisão por supostamente transportar 200 gramas de material explosivo.
Danilovych ficou gravemente doente na prisão e fez greve de fome para receber tratamento médico. Nesse mesmo ano, outros dois presos, Kostyantyn Shyrinka e Dzhemil Gafarov, morreram na prisão por falta de atendimento clínico.
Segundo o vice-presidente da CHRG, apenas a recuperação do controlo ucraniano na península pode acabar com os abusos dos direitos humanos.
Neste momento, a menor manifestação de opiniões pró-ucranianas, como cantar canções ucranianas, é perseguida, disse à EFE, acrescentando que as crianças são especialmente afetadas pela doutrinação russa e a sua educação é altamente militarizada.
Dezenas de milhares de tártaros da Crimeia fugiram da península - muitos para países da Ásia Central - para escapar da mobilização forçada das Forças Armadas russas.
"É uma pena que eles tenham que deixar sua casa novamente e voltar aos mesmos países onde tiveram que viver durante décadas de exílio forçado", enfatizou Tomak.
Entretanto, o líder da Crimeia, nomeado por Moscovo, disse hoje que a região está em alerta para uma eventual contraofensiva ucraniana iminente.
Sergei Aksyonov disse aos jornalistas que as forças russas na Crimeia montaram "defesas modernas e profundas" e tinham tropas e equipamentos "mais do que suficientes" para repelir um possível ataque ucraniano.
"Não podemos subestimar o inimigo, mas podemos dizer com certeza que estamos prontos e que não haverá uma catástrofe", declarou.
Estes comentários foram feitos dias depois de o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, reafirmar a intenção de Kiev de retomar a península do Mar Negro.
Aksyonov anunciou pela primeira vez o início da fortificação na Crimeia em novembro, sem dar detalhes. Em fevereiro, numa reunião de segurança dirigida pelo Presidente russo, Vladimir Putin, disse que os trabalhos deveriam terminar em abril.
Fotos de satélite da Maxar Technologies mostram uma complexa teia de trincheiras e outras fortificações escavadas perto de Medvedivka, pequena cidade entre a Crimeia e a Ucrânia continental, sugerindo preocupações russas sobre um possível ataque ucraniano neste local.
Analistas militares esperam que Kiev aproveite a melhoria do clima para tomar a iniciativa no campo de batalha com novos lotes de armas ocidentais, incluindo dezenas de tanques e tropas formadas no Ocidente.
As forças ucranianas poderiam tentar romper o corredor terrestre entre a Rússia e a Crimeia, indo de Zaporijia em direção a Melitopol e ao Mar de Azov, o que poderia dividir as forças russas em duas.
As forças de Kiev enfrentam, no entanto, um enorme desafio para desalojar as forças russas: provavelmente irão encontrar campos minados, fossos antitanque e outros obstáculos, enquanto extensos sistemas de trincheiras fornecem cobertura para as tropas de Moscovo.
O Kremlin quer que Kiev reconheça a soberania da Rússia sobre a Crimeia e também reconheça a anexação em setembro das províncias ucranianas de Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporijia.
A Ucrânia prometeu expulsar os russos de todos os territórios ocupados e descartou qualquer negociação com Moscovo até que recupere totalmente o controlo dos seus territórios.