Um oficial da segurança pessoal de elite do Presidente russo que desertou em outubro passado classificou-o como "um criminoso de guerra", por ter ordenado a invasão da vizinha Ucrânia, em fevereiro de 2022, noticiou, esta terça-feira, a "Associated Press".
"O nosso presidente tornou-se um criminoso de guerra, está na altura de acabar com esta guerra e pôr fim ao silêncio", declarou o engenheiro russo Gleb Karakulov, citado pela agência de notícias norte-americana "Associated Press" (AP), que não conseguiu falar diretamente com ele, mas assistiu a mais de seis horas de vídeos e transcrições de várias entrevistas que lhe foram feitas pelo grupo de investigação "The Dossier Center", com sede em Londres e financiado pelo opositor russo Mikhail Khodorkovsky.
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Precisando que ele não é um desertor normal, a AP sublinhou que se trata, em vez disso, de um dos únicos membros do serviço secreto de segurança pessoal de elite de Putin com patente militar, além de conhecimento de pormenores sobre a vida pessoal do chefe de Estado russo e eventualmente de informação confidencial.
Karakulov, que era responsável pela segurança das comunicações do Kremlin e embarcou a 14 de outubro do ano passado, com a mulher e a filha, num voo do Cazaquistão para a Turquia e depois passou à clandestinidade, foi um dos poucos oficiais russos a fugir e a assumi-lo publicamente.
Nas entrevistas do Dossier Center, também partilhadas com a Radiotelevisão Dinamarquesa DR, a estação televisiva sueca SVT e a Radiotelevisão Norueguesa NRK, o engenheiro russo explicou que a sua oposição moral à invasão da Ucrânia pela Rússia e o seu medo de lá morrer (porque vários colegas seus foram enviados para a frente de batalha e morreram) o levaram a falar, apesar dos riscos para si e para a sua família, afirmando ter a esperança de inspirar outros russos a falarem também.
A descrição feita por Karakulov coincide, em geral, com outras que traçam um retrato do Presidente russo como um líder outrora carismático mas cada vez mais isolado, que não usa telemóvel ou Internet e insiste em ter acesso à televisão pública russa para onde quer que viaje.
Embora não fosse um confidente de Putin, o oficial desertor russo, membro de uma unidade do departamento presidencial de comunicações do Serviço Federal de Proteção (FSO, na sigla em língua inglesa), esteve anos ao seu serviço, observando-o de perto desde 2009 até depois de meados de 2022.
Por isso, pôde também fornecer novos pormenores sobre como a paranoia de Putin parece ter-se aprofundado desde a sua decisão de invadir a Ucrânia, em fevereiro do ano passado.
Segundo Karakulov, Putin prefere agora evitar aviões e deslocar-se num comboio blindado especial e, em outubro, ordenou a construção de um 'bunker' na embaixada da Rússia no Cazaquistão, equipada com uma linha segura de comunicações - foi essa a primeira vez que o engenheiro recebeu um pedido assim. "Penso que ele está, simplesmente, com medo", observou, relatando ainda que, por vezes, é oficialmente noticiado que ele está num local quando, de facto, se encontra noutro.
Por exemplo, quando Putin esteve em Sochi - estância balnear no mar Negro onde decorreram, em 2014, os Jogos Olímpicos de Inverno -, os responsáveis da segurança fingiram deliberadamente que ele se ia embora, ordenando o envio de um avião para o levar e encenando uma caravana presidencial, quando, na verdade, ele ia ficar, relatou Karakulov.
"Os meus colegas falavam sobre isso rindo-se", comentou, acrescentando: "Acho que é uma tentativa de confundir, em primeiro lugar, os serviços de espionagem e, em segundo lugar, para que não haja tentativas de assassínio".
Mas, ao contrário da especulação generalizada, o engenheiro russo, que fez mais de 180 viagens com Putin, afirma que este se encontra em melhor forma física que a maioria das pessoas da sua idade (70 anos), cancelou, ao longo desses 13 anos, poucas viagens por doença e faz anualmente exames médicos de rotina.
Juntamente com informação sobre o chefe de Estado russo, o testemunho deste desertor oferece igualmente uma visão íntima da decisão de um homem de desertar: sem dizer à própria mãe, que afirmou continuar a ser uma forte apoiante de Putin, após décadas de lavagem cerebral pela televisão pública russa.
Isso levanta questões importantes sobre quão profunda é a aceitação pela opinião pública russa da guerra na Ucrânia e sobre como poderão os opositores de Putin no Ocidente e noutros pontos do globo encorajar alguma oposição silenciosa no país.
Gleb Karakulov consta da lista de procurados da base de dados pública do Ministério do Interior russo de suspeitos de crimes, desde que o ministério iniciou uma investigação criminal contra ele, a 26 de outubro, por deserção durante um período de mobilização militar, de acordo com documentos obtidos pelo Dossier Center.