A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, cuja obrigatoriedade está a gerar polémica, começou a ser lecionada no ano letivo de 2017-18, com o objetivo de promover uma sociedade mais justa e inclusiva através da educação.
No âmbito da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, a disciplina começou a ser lecionada nos anos iniciais de cada ciclo de ensino em 235 escolas públicas e privadas que integraram o Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular.
O ensino da disciplina avançou em escolas-piloto no âmbito da Estratégia Nacional para a Cidadania, apresentada em março de 2017 na Covilhã.
"Este é um projeto-piloto que serve para nos preparar para os próximos anos e que vem 'legitimar' muitas das práticas que já aconteciam nas nossas escolas e que agora ficam regulamentadas e que acabam por acontecer com outra robustez", disse na altura o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues.
Em 2018 a disciplina foi formalmente alargada a todas as escolas do país, sendo obrigatória no 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico, contendo temas como a educação para a saúde e a sexualidade, o voluntariado, a igualdade de género ou a segurança rodoviária.
A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania define "um conjunto de direitos e deveres que devem estar presentes na formação cidadã das crianças e dos jovens portugueses" e o grupo de trabalho que a elaborou recomendava o reforço da Educação para a Cidadania desde a Educação pré-escolar até ao final da escolaridade obrigatória.
A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento faz parte das componentes do currículo nacional e é desenvolvida nas escolas segundo três abordagens complementares: natureza transdisciplinar no 1.º ciclo do ensino básico, disciplina autónoma no 2.º e no 3. º ciclos do ensino básico e componente do currículo desenvolvida transversalmente com o contributo de todas as disciplinas e componentes de formação no ensino secundário.
O caráter obrigatório e a possibilidade de os pais poderem invocar a objeção de consciência para que os seus filhos não frequentem a disciplina tem sido alvo de discussão nos últimos dias com o surgimento de um manifesto assinado por 100 personalidades - entre as quais o ex-presidente da República Cavaco Silva, o ex primeiro-ministro Passos Coelho e o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente - que contesta a obrigatoriedade da disciplina, e de outro, com 8000 assinaturas, a defender a sua obrigatoriedade.
A polémica tem origem no caso de dois irmãos de Vila Nova de Famalicão, no distrito de Braga, que faltaram a todas as aulas desta disciplina por opção dos pais, que argumentam que os tópicos abordados são da responsabilidade educativa das famílias.
Na segunda-feira num debate na Rádio Renascença com o secretário de Estado da Educação, o ex-reitor da Universidade Católica Braga da Cruz, e um dos subscritores do manifesto defendeu que o abaixo assinado com 100 personalidades surge de uma apreensão mais alargada relativamente ao que acontece nas escolas portuguesas com a introdução da ideologia de género.
"Não se trata da questão da igualdade de género, ninguém é contra a igualdade de género, mas sim a possibilidade de o Estado reprogramar a Educação ou permitir que outros façam a conotação ideológica da ideologia de género", disse.
Braga da Cruz defendeu que a disciplina tem um guião de orientação que "quem o lê fica consciente de que há uma orientação ideológica que não tem sustentabilidade científica", que considera controversa e que suscita objeção de consciência.
O referencial de Educação para Saúde, que acompanha a Estratégia Nacional para Cidadania, dá às escolas as orientações e a questão da identidade e género é um subtema de um dos temas globais. Neste caso é incluído no tema Afetos e educação para a sexualidade que engloba também os subtemas relações afetivas, valores, desenvolvimento da sexualidade, maternidade e paternidade e direitos sexuais e reprodutivos.
"Ao nível da identidade jogam-se os alicerces do edifício humano. Sermos pessoas únicas, com um corpo sexuado, uma mente própria, uma história que transporta as heranças de um passado e onde cabem as esperanças do futuro é a aquisição básica da consciência que nos coloca no cenário social. A identidade é a impressão digital do nosso ser, estar e devir. Crescer é poder ser-se cada vez mais quem se é. Os papéis de género são construções sociais cujo conteúdo muda ao longo do tempo e depende da cultura, origem étnica, religião, educação e ambiente geográfico, económico e político em que vivemos. Contudo, os modelos de comportamento são apenas referências para a nossa própria identidade de género, e não a determinam nem devem limitar a forma como a exprimimos", lê-se no referencial.
Segundo o documento orientador, o género descreve assim um conjunto de qualidades e de comportamentos que as sociedades esperam dos indivíduos, e que contribui para formar a respetiva identidade social, uma identidade que difere de uma cultura para outra e em diferentes períodos da história enquanto a identidade de género é a experiência interna e individual de género profundamente sentida por cada pessoa que pode, ou não, corresponder às expectativas sociais.
No subtema identidade e género é pedido que os alunos desenvolvam a consciência de ser uma pessoa única no que respeita à sexualidade, à identidade, à expressão de género e à orientação sexual - sendo a matéria tratada de forma diferente de acordo com o nível de ensino -, assim como desenvolver uma atitude positiva no que respeita à igualdade de género.
Já no subtema Desenvolvimento da sexualidade, o referencial aponta como objetivo ser capaz de aceitar e integrar as mudanças físicas e emocionais associadas à sexualidade ao longo da vida e ser responsável para consigo e para com os outros.