O primeiro-ministro avisa que se não houver acordo para a aprovação do Orçamento do Estado para 2021 haverá crise política e que, sem entendimento à esquerda, recusará negociar à direita a subsistência do Governo.
António Costa assumiu estas posições numa entrevista que concedeu ao semanário Expresso no passado dia 21, depois de interrogado se haverá risco de austeridade caso o Governo não chegue a um acordo orçamental com o Bloco de Esquerda e com o PCP.
"Se não houver acordo, é simples: não há Orçamento e há uma crise política. Aí estaremos a discutir qual é a data em que o Presidente [da República] terá de fazer o inevitável", respondeu.
Num recado sobretudo dirigido aos parceiros de esquerda do PS no parlamento, António Costa considera que "quem não quer assumir responsabilidades deve dedicar-se a outra atividade", porque a atividade política requer "assunção de responsabilidades".
"Os outros partidos não querem ter responsabilidades pelo desemprego de janeiro de 2022? Quem foge das responsabilidades relativamente aos problemas foge da responsabilidade de definir as soluções. Se queremos que haja menos desemprego em 2022, temos de atempadamente definir as políticas", defendeu.
Confrontado com o cenário de os partidos de esquerda deixarem o PS e o Governo sozinhos com o PSD na viabilização do Orçamento do próximo ano, o primeiro-ministro disse que não irá pedir aos sociais-democratas que votem contra ou que se abstenham.
"O que quero deixar muito claro, e já o deixei ao PCP e ao BE, é que, se sonham que vão colocar o PS na condição de ir negociar com o PSD a continuação do Governo, podem tirar o cavalinho da chuva, pois não negociaremos à direita a subsistência deste Governo", frisou António Costa.
Nesta entrevista, o primeiro-ministro voltou a desdramatizar o voto contra do PCP no Orçamento Suplementar para 2020 e manifestou-se confiante na possibilidade de haver um acordo à esquerda.
"O PCP tem sido muito claro em sublinhar que o voto que deu no Suplementar teve a ver com uma análise que não corresponde a nenhuma alteração da sua linha política nem a uma indisponibilidade para dialogar no futuro. Aliás, já tive reuniões com Catarina Martins e com Jerónimo de Sousa. Não dou por adquirido que o PCP tenha abandonado a vontade de continuar a ser parceiro ativo na procura de soluções", defendeu.
Logo a seguir, no entanto, António Costa deixou novo aviso: "Nenhum português percebe que perante a enorme gravidade desta crise não haja um esforço para responder de forma positiva".
"Seria um erro enorme para a esquerda portuguesa não compreender que esta é a oportunidade histórica que tem de não só responder à crise como de o fazer com uma visão de ambição, de requalificação estratégica", argumentou.
Ou seja, segundo o líder do executivo, "toda a agenda de resposta a esta crise é uma resposta de convergência à esquerda".
"Se as forças políticas para quem o robustecimento do Estado social é imprescindível não se conseguem entender, tenho dificuldade em compreender a racionalidade política do distanciamento num momento em que tudo o que exige é aproximação", acrescentou.
Haveria problema se Marcelo não se recandidatasse
Questionado sobre a possibilidade de existir um problema de "vacatura à direita" caso Marcelo Rebelo de Sousa decida não se recandidatar nas próximas eleições presidenciais, António Costa foi mais longe na sua análise: "Havia um problema grave no conjunto do país, que dá isso por adquirido e se sente confortável com o Presidente".
Já sobre a forma como o PS vai gerir o processo das próximas eleições presidenciais, o secretário-geral socialista disse que haverá um momento em que os órgãos do seu partido se irão pronunciar sobre essa matéria.
"Sendo eu também primeiro-ministro, seja a pessoa que menos interfira nesse debate, porque terei de ter com o próximo Presidente uma relação institucional. Não vou interferir muito nessa campanha eleitoral", avisou.
Na perspetiva de António Costa, um primeiro-ministro em exercício, em período de eleições presidenciais, "deve manter recato".
A seguir, António Costa foi confrontando com o facto de o seu ministro e dirigente socialista Pedro Nuno Santos ter afirmado que apoiará um candidato presidencial do BE ou do PCP se não houver ninguém da área do PS.
O primeiro-ministro, porém, entende que "os membros do Governo devem ter em relação às presidenciais um particular dever de reserva, tendo em conta aquilo que é a relação que o Governo deve manter com o próximo Presidente, com quem terá de conviver muito tempo".