O ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes foi constituído arguido no âmbito do processo do furto das armas de Tancos, pelo crime de denegação de justiça. O governante já veio contestar este passo da Justiça: "é absolutamente inexplicável".
Azeredo Lopes foi presente a um juiz nesta quinta-feira, na qualidade de arguido não detido. Ficou com a proibição de contactar com os 22 outros arguidos deste caso. Este processo que envolve o antigo governante visa apenas a encenação da descoberta do armamento e não o furto - que corre num outro processo paralelo.
Este novo episódio do caso de Tancos acontece quase nove meses depois de Azeredo se ter demitido da chefia do ministério, na senda das declarações do então diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM), Luís Vieira, que garantiu ter contado tudo ao governante sobre a encenação do aparecimento das armas, em conluio com os autores do furto, no sentido de os proteger e boicotar a investigação da PJ civil.
Já na madrugada desta sexta-feira, Azeredo Lopes veio garantir que esta ação da Justiça é "socialmente destruidora". "Esta condição, se é verdade que me garante mais direitos processuais, é absolutamente inexplicável tendo em conta os factos relativos ao meu envolvimento do processo, que foi apenas de tutela política", defendeu, num comunicado enviado à Lusa.
Refira-se que as declarações de Luís Vieira foram também a tese em que o major Vasco Brazão, que pela PJM liderou a investigação ao assalto, insistiu ao longo de semanas, provocando um desgaste na imagem do ex-ministro da Defesa.
Brazão garantiu que teria feito chegar às mãos do ministro um memorando com os passos da encenação do achamento das armas, de modo a que aquela polícia pudesse sair bem vista deste caso, num momento em que quer o Ministério Público, quer a PJ apontavam desconformidades à atuação da PJM.
Costa deu a mão, até forçar saída
Azeredo sempre negou ter sido informado sobre a alegada encenação, que resultaria na descoberta das armas, mas acabou por sair a 12 de outubro de 2018. A demissão aconteceu um ano após o anúncio da descoberta do armamento desaparecido dos paióis do perímetro militar.
A verdade é que dois antes da demissão do governante, o seu ex-chefe de gabinete, Martins Pereira, acabou por admitir ter recebido documentação sobre a encenação na recuperação das armas roubadas de Tancos.
Este caso chegou a melindrar a imagem de António Costa, tendo em conta a proximidade entre o primeiro-ministro e Azeredo, além do facto de essa relação ter levado o chefe de Governo a amparar politicamente o governante durante semanas.
Mas, há cerca de dois meses, Costa veio dizer à Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) ao furto ocorrido em Tancos que, a 12 de outubro - ou seja, horas antes da demissão de Azeredo - confrontou o ex-ministro com o memorando numa reunião em São Bento.
"Dessa reunião, fiquei com a convicção de que o ex-ministro da Defesa Nacional nunca o tinha visto anteriormente", disse por escrito aos deputados.
O Ministério Público entendeu agora que Azeredo Lopes cometeu o crime de denegação de justiça, ou seja, que terá de alguma forma interferido no natural curso do processo de investigação.
Dois anos sobre o assalto
O assalto a Tancos foi revelado pelo Exército a 29 de junho de 2017, mas detetado no dia anterior. Terá sido uma ação do ex-fuzileiro João Paulino à frente de um grupo, entretanto todos constituídos arguidos no âmbito da investigação ao furto.
Na altura, o ex-ministro classificou a situação de muito grave. Porém, ao longo de meses, as declarações que ia prestando sobre o caso foram alvo de críticas pela ironia que continham. "No limite, pode não ter havido furto nenhum", diria a 10 de setembro de 2017.
Em causa estavam explosivos, granadas de gás lacrimogéneo e granadas foguete anticarro, que tinham sido levadas dos paióis. Na noite do assalto não tinham sido alvo das obrigatórias rondas.
Tendo em conta o impacto do roubo, que chegou aos órgãos de comunicação de social estrangeiros, o ex-chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, exonerou então os cinco comandantes das unidades que estavam responsáveis pelas rondas ao perímetro militar.
Rovisco Duarte pediu demissão com a queda de Azeredo Lopes e a chegada do novo ministro, Gomes Cravinho.