Juan Guaidó falhou a tentativa de golpe de Estado - seria um golpe, por muito que a oposição que lidera o negue, alicerçando-se no facto de o jovem presidente da Assembleia Nacional venezuelana ser presidente interino autoproclamado e ignorando que o presidente é Nicolás Maduro.
E Nicolás Maduro sobreviveu, mas não incólume. Perdeu, assumidamente, um elemento de topo das forças de segurança. Mas um não chega para uma revolução. Nem uma ou duas dúzias deles. Os militares mantêm-se a seu lado, com a promessa é de ações judiciais contra os golpistas a soldo dos EUA. E o futuro é cada vez mais incerto numa Venezuela em crise já praticamente perene. Esta quarta-feira, 1.o de Maio e dia da "maior manifestação de sempre", houve mais do mesmo: protestos antagónicos, confrontos entre opositores e forças de segurança, feridos. O Governo não caiu e a disputa pela razão na Venezuela manteve-se na arena internacional.
Eram alguns milhares de ambos os lados, mas os militares, peça fulcral no tabuleiro de poder venezuelano, estavam no de Maduro. A deserção anunciada anteontem por Guaidó não surtiu o efeito de mimetismo esperado, apesar de uma das figuras maiores na estrutura de segurança do Estado, o diretor do Serviço Bolivariano de Informações (Sebin), ter saído de cena e ser trocado pelo seu antecessor. Disse-se que apoiou o golpe e a verdade é que o líder opositor Leopoldo López, libertado da prisão domiciliária (provavelmente a única vitória de Guaidó na terça-feira), disse tê-lo sido com anuência dos agentes do Sebin que o vigiavam. Manuel Ricardo Cristopher Figuera explicaria depois que "sempre reconheceu" Maduro, mas que "seria irresponsável culpar só império norte-americano" pelo "estado de deterioração" da Venezuela.
Haveria um plano?
Mais, retomando o discurso de Washington, Figuera denunciou "muitas pessoas" da confiança de Maduro que andavam "a negociar pelas costas", mas "pelos seus próprios e mesquinhos interesses". O argumento da defeção de altas patentes fora avançado anteontem pelo conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, que garantia que o ministro da Defesa, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o comandante da guarda de honra presidencial queriam a saída de Maduro. Bolton só não referia o Sebin. E o ministro da Defesa apareceu, pouco depois, com vivas a Maduro.
Na quarta-feira, o jornal "El Español" dava conta de um plano para o exílio de Maduro, acordado pelo próprio e os três elementos referidos por Bolton com Guaidó, com conhecimento da Rússia e dos EUA. Anteontem, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, dissera mesmo que Maduro estava num avião para Cuba. Mas que a Rússia o impedira. o diário diz que, afinal, foi o número dois do chavismo, Diosdado Cabello, que travou o presidente.
"Senhor Pompeo, por favor, que falta de seriedade", diria Maduro, já à noite, chamando "idiota útil" dos EUA a Guaidó e garantindo ter 80% dos militares consigo. Já de Cuba, que o presidente dos EUA, Donald Trump ameaçou estrangular ainda mais se continuasse a apoiar militarmente Maduro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Bruno Rodríguez, apelidaria Bolton de "mentiroso patológico".
A guerra verbal parece ser a única que avança em torno da Venezuela. Pompeo voltou a não descartar uma intervenção militar "se necessário" e o secretário de Estado da Defesa, Patrick Shanahan, cancelou uma viagem à Europa. Do lado de lá do globo, a Rússia - que nega ter travado o que quer que seja, apesar de alguma imprensa afirmar que negociara a saída de Maduro contra a garantia de pagamento da dívida venezuelana - lamentava novamente uma "grave violação da lei internacional" pelos EUA.
DADOS
Irão e Síria
Teerão e Damasco manifestaram ontem apoio ao Governo de Maduro e condenaram o "golpe de Estado falhado".
Grupo de Contacto
O Grupo Internacional de Contacto (países europeus e da América Latina) voltou a pedir uma solução "política, pacífica e democrática" para a Venezuela e a exortar as forças de segurança a não usar da força.
MNE português
Augusto Santos Silva apelou "os detentores dos meios repressivos do Estado" a abster-se de usar da violência "contra pessoas que apenas exercem o seu direito ao protesto, à manifestação e à reunião".