O aumento das regras de segurança no que diz respeito a obras de recuperação de monumentos não chegou para travar o incêndio na Catedral de Notre-Dame, feita maioritariamente de madeira.
Paulo Almeida Ferreira é, há vários anos, sacristão na Basílica do Sacré-Coeur, um dos templos católicos mais visitados em França, situado no topo do bairro de Montmartre, lugar de pintores e artistas. Vive a poucos quilómetros da Catedral de Notre-Dame, que sobreviveu em pé mas não inteira a um incêndio que destruiu dois terços do telhado da Igreja, na segunda-feira.
O português, conhecedor do tipo de construção da catedral e dos processos de reparação, explicou ao JN que as "obras de melhoramento" que decorriam quando o fogo deflagrou nas águas furtadas do edifício incidiam sobre uma estrutura interior de suporte do telhado.
Paulo Ferreira detalhou que, apesar de uma parte da cúpula ser de bronze e de alguns elementos serem feitos de ferro e outros materiais metálicos, "80% da catedral é feita de madeira", o que facilita a propagação das chamas e os efeitos nefastos do fogo. "Os maçaricos [usados na obra] com a madeira resultam nisto", afirmou.
Há coisas que são irreparáveis
"Os vitrais também foram afetados, partiram. São unidos por chumbo, um material que derrete. Vai demorar anos até os danos serem reparados. É uma despesa enorme. Há coisas que são irreparáveis", disse, acrescentando ser "impossível" reparar as vidraças coloridas.
O resto já se sabe: as chamas levaram ao desabamento de um pináculo e à destruição de dois terços da área atingida.
Os trabalhos, garantiu Paulo, estavam a ser acompanhados por antigos artesãos e eram alvo de "muito controlo" e de "níveis de segurança muito rigorosos". Ao longo dos anos, empresas privadas e sucessivos Governos têm apertado as regras de proteção no que diz respeito a obras de recuperação em edifícios e monumentos. Mas as lonas de plástico utilizadas "para proteger os trabalhadores do frio" também podem ser uma acendalha para o fogo, explicou o eclesiástico.
O sacristão português residente em França adiantou que as cerimónias da Semana Santa que deveriam ter lugar em Notre-Dame vão ser acolhidas pela Igreja de São Sulpício, em Paris, que está igualmente em obras de recuperação e que recentemente sofreu também um incêndio.