Papa Francisco reúne-se de hoje a domingo com líderes católicos para combater pedofilia.
Um "ponto de viragem" e a "primeira etapa de um longo caminho sem retorno" são algumas das expressões usadas para definir o histórico encontro sobre o abuso de crianças que arranca hoje no Vaticano e se prolonga até domingo. A chamada a Roma dos responsáveis pelas conferências episcopais de todo o Mundo foi a forma encontrada pelo Papa Francisco para fazer o ponto da situação e definir estratégias para estancar o escândalo de pedofilia que atinge a Igreja Católica em todo o Mundo, com cerca de 900 denúncias diretas ao Vaticano, só em 2018.
Em agosto de 2018, a poucos dias de uma visita à Irlanda, o Papa escreveu uma carta condenando o crime de abuso sexual por parte de padres e exigindo responsabilidades. Pediu perdão pela dor sofrida e pediu ajuda. Na volta do correio, ao Vaticano chegaram cartas de todo o Mundo apresentado ainda mais relatos de abusos.
Em setembro, depois de ter estado na Irlanda com vítimas de abusos e de ter lamentado a forma como a igreja local respondeu aos crimes, marcou o encontro que hoje começa. Francisco ouviu ainda o Conselho de Cardeais (C9) e não teve dúvidas de que os responsáveis pela Igreja têm mesmo que refletir.
Coordenada pelo jesuíta alemão Hans Zollner, a reunião conta com a participação de 190 pessoas, incluindo 114 presidentes de conferências episcopais e vítimas.
MILHARES DE DENÚNCIAS
Aos líderes da igreja de cada país foi pedido que respondessem a um questionário e que os sacerdotes ouvissem o que as vítimas tinham a dizer sobre este tema. Um dos maiores abalos entre os católicos foi sentido nos EUA, onde um tribunal da Pensilvânia revelou que mais de mil crianças foram vítimas de 300 padres nos últimos 70 anos e que gerações de bispos falharam na adoção de medidas para proteger a comunidade e punir os violadores.
Sem contemplações, o Vaticano expulsou do sacerdócio o ex-cardeal e arcebispo emérito de Washington, Theodore McCarrick, acusado de abusos sexuais a menores. A Congregação para a Doutrina da Fé impôs-lhe a redução ao estado laical, uma medida tomada pela primeira vez na história da Igreja.
Em 2018, no Chile, 64 testemunhos num universo de mais de 200 vítimas desencadearam a renúncia em bloco dos bispos chilenos. A investigação ainda decorre.
Na Alemanha, um relatório interno encomendado pela Conferência Episcopal aponta para 3677 casos de abusos sexuais cometidos por 1670 elementos da Igreja Católica entre 1946 e 2014. Na Holanda, pelo menos 20 bispos e cardeais, foram associados a abusos. Na Austrália, o cardeal George Pell, que dirigia a Secretaria da Economia do Vaticano, foi considerado culpado do abuso de duas crianças. Na Irlanda, mais de 14.500 pessoas declararam-se vítimas de abuso sexual por parte de padres e a hierarquia da Igreja irlandesa é acusada de ter encoberto centenas de sacerdotes.
DEZ CASOS EM PORTUGAL
No Vaticano, o ritmo imparável das denúncias foi classificado como "o 11 de setembro da Igreja".
De acordo com a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), denunciaram-se dez casos de abusos e condenados quatro sacerdotes em Portugal (ver ficha).
O cardeal-patriarca de Lisboa e presidente da CEP, D. Manuel Clemente, que representa o país no conclave, disse à Agência Ecclesia ter conversado com uma vítima que lhe pediu para ser ouvida. "Falou longamente comigo, eu ouvi e com certeza que estive com essa pessoa no seguimento do caso".
O interesse do Cardeal em dialogar foi sempre assumido, mas acabou por só acontecer naquele caso, dada a desmotivação que muitas vítimas têm em revisitar momentos de sofrimento e divulgá-los.