Menina que morreu à sede depois de detida pela guarda fronteiriça só foi assistida 90 minutos após os primeiros sinais.
Colocar um rosto e um nome numa vítima do desespero torna a sua história ainda mais difícil de ouvir. Jakelin Ameí Rosmery Caal Maquin era o nome que faltava no trágico relato da morte à sede de uma menina guatemalteca, no passado dia 8, cinco dias depois de completar sete anos. Estava sob responsabilidade da guarda fronteiriça dos EUA depois de atravessar ilegalmente a fronteira com o pai, Nery Gilberto Caal Cruz, 29 anos, por uma zona remota entre Chihuahua e o Novo México.
Com a identificação da criança, surgem pormenores do drama. Jakelin integrava um grupo de 163 pessoas que decidiram procurar uma vida melhor nos EUA contornando as condições dramáticas a que a maioria dos migrantes são sujeitos, por força das políticas de imigração restritivas da administração de Donald Trump: dificultando os processos - legais - de pedido de asilo, levam à retenção dos candidatos durante semanas em campos perigosos e sem condições do lado mexicano da fronteira e levam os traficantes a intervir na equação e a direcionar os migrantes para o deserto.
Jakelin e Nery tinha saído no dia 30 de novembro de Raxruhá, em Alta Verapaz, uma região no norte da Guatemala. Para trás ficara a mãe da menina e os irmãos. Viajaram uma semana, de transporte em transporte, até à fronteira, do lado de Chihuahua. Ali foram instados a procurar o muro. Encontraram-no, contornaram-no, passaram para o lado de lá da miséria e foram intercetados. Não se sabe quanto tempo caminharam até ao muro, diz-se que "bastante".
A viagem do fim
Era dia 6 à noite quando chegaram ao posto fronteiriço de Antelope Wells, com a temperatura a rasar o grau. Foram metidos em autocarros até ao centro de detenção de Lordsburg, a hora e meia de caminho. Os agentes dizem que os migrantes foram alimentados e que Nery garantiu a saúde da menina, mas a dúvida é grande: não fala castelhano, mas q'echi, língua maia.
Durante a viagem, Nery alertou os agentes. A filha estava a vomitar. Os paramédicos da guarda acudiram como puderam. À chegada, Jakelin já não respirava e estava com 40,9 graus de temperatura. Segundo a NBC, só aí foi assistida por médicos, dado não haver pessoal médico mobilizado nas zonas mais remotas. A menina passara dias sem comer nem beber água.
Helitransportada para El Paso, a cidade mais próxima, a 250 quilómetros, Jakelin revelou inflamação cerebral e falência hepática e sofreu duas paragens cardíacas. Morreu na madrugada de sábado. Desidratação severa e septicemia. Só se soube da história de Jakelin cinco dias depois e a versão dos agentes é a de que passara dias sem comer nem beber água. Ao cônsul guatemalteco em Del Río, Texas, ouvido pelo "El País", Nery garantiu que os traficantes os alimentaram. Mas a nebulosa persiste quanto ao tempo até à detenção.
"Não há qualquer possibilidade de um ser humano transportar a água de que precisa para sobreviver em duras condições de terreno durante três ou quatro dias de marcha", denuncia a ONG No More Deaths, que acusa o Governo dos EUA de usar "a paisagem" como "uma arma".