Engenheiro civil, com nacionalidade portuguesa e brasileira, Antonoaldo Neves entrou na aviação pelo lado da gestão de infraestruturas aeroportuárias.
À frente dos destinos da companhia portuguesa desde fevereiro deste ano, o gestor garante que o "estrangulamento" do aeroporto de Lisboa teria sido evitado com investimento, porque "há muito espaço para crescer". Por mês, os atrasos na capital custam à TAP quatro milhões de euros.
A TAP concluiu o primeiro semestre com mais 18% de vendas, mas os resultados degradaram-se devido aos custos com combustíveis e, sobretudo, "irregularidades operacionais". O que falhou?
Isso ocorreu por diversos fatores. O primeiro foi um mau planeamento de formação de tripulações. Para ter pilotos em abril, tinha de tê-los formado em julho do ano anterior. O segundo foi uma questão de disputas internas. Mas a negociação sindical foi muito boa, porque conseguimos não ter mais cancelamentos a partir de julho. Ainda não tenho os pilotos necessários e não cancelo mais voos porque conto com a colaboração dos pilotos, que tem sido imensa, pois vêm voar nos dias de folga e de férias e são muito bem remunerados por isso.
Quando vão regressar aos lucros?
Este é um ano difícil, à conta do combustível - vamos ter entre 70 e 100 milhões de euros de custo a mais com combustíveis. Apesar de termos um resultado abaixo do que gostaria, as contas estão saudáveis. Estamos a preparar-nos para amortizar a dívida bancária no ano que vem. Estou bastante otimista para o ano que vem.
Como é que avalia a operação no Porto e a ponte aérea?
Temos dois "gargalos" na operação no Porto. Um é a operação da ponte aérea e o outro são as limitações que temos em Lisboa, temos muitas reclamações de clientes que ficam 30 ou 40 minutos dentro do avião, no Porto, à espera de autorização de Lisboa para descolar. Isso acontece todos os dias e não é só no Porto. Já fizemos mudanças na ponte aérea, que já registou mudanças na pontualidade - está nos 70%, o que é mau, mas quero ter uma pontualidade acima de 80%. Vamos fazer uma mudança grande, que começou com o aumento do tempo de rotação das aeronaves, de 30 para 45 minutos. A partir de janeiro, vamos passar a ponte aérea toda para aviões Airbus. Acabei de comprar duas aeronaves para fazer isso. Isso representa um aumento de quase 40%, quase 280 mil assentos. Vai melhorar muito o produto, porque a viagem vai diminuir em tempo e melhorar a experiência do cliente, com menos embarques a céu aberto. O nosso objetivo é passar a estacionar na manga do aeroporto, se possível.
Antonoaldo Neves, presidente executivo da TAP
Foto: Adelino Meireles / Global Imagens
É possível contabilizar a perda da TAP devido aos constrangimentos em Lisboa?
É possível e é muito alto. Hoje, por não ter saídas rápidas do aeroporto, perco 0,8 minutos em cada descolagem da TAP e só isso dá mais de quatro milhões de euros por mês. Os nossos estudos mostram que, se houvesse investimento nas infraestruturas, podíamos aumentar a pontualidade em 20 pontos. Vamos acabar o ano com pontualidade média em 65%, é muito baixa. Estou a atrasar os meus voos, em média, mais sete minutos do que no ano passado - passei de 17 para 24 minutos de atraso. Falamos de dezenas de milhões, por ano, de compensações a clientes por conta de atrasos e limitações.
Esse problema é só em Lisboa?
É, não há outro aeroporto em que a TAP tenha esse problema.
Qual seria a sua solução para o aeroporto de Lisboa?
A Portela tem de investir: pode aumentar as partidas rápidas, pode aumentar a taxiway, pode aumentar as posições de estacionamento, ampliar o terminal. Aquele aeroporto tem muito espaço para crescer. O aeroporto de Lisboa é muito grande, mas as pessoas acham que não. É gigante e tinha de ter a infraestrutura do Galeão [Rio de Janeiro] e não tem.
Tem capacidade de expansão?
Tem, total, inclusive a articulação do Montijo-Portela é planeada considerando que Lisboa cresce. Se o aeroporto está esgotado é porque não se investiu, assim como se não houver investimento no Porto também vai ficar esgotado. Todo o aeroporto precisa de investimento contínuo de pista e estacionamento e no terminal.
Estão a preparar-se para o novo aeroporto de Lisboa?
Ainda não sabemos quando vai estar pronto, mas vamos acreditar que vai ser quando a TAP precisar. Estamos a falar de Lisboa, porque não vamos para o novo aeroporto. Estamos ansiosos que as reformas que precisam de ser feitas sejam o mais rapidamente possível, não ficamos à espera que a decisão seja tomada. Compramos aviões e esperamos que as infraestruturas façam a obra necessária ao longo de 2019 e 2020.
No caso da Madeira, foi também essa a causa dos cancelamentos, que, inclusive, o levaram a uma comissão de inquérito?
Absolutamente. A Madeira tem uma situação adicional devido aos ventos e, em média, houve mais cancelamentos do que no resto do território, mas se excluir de todos o fator meteorológico, os cancelamentos da Madeira são até algo menores do que a média. Apesar dos constrangimentos meteorológicos, que têm um custo enorme para a TAP, mantemos o compromisso com a Madeira, numa perspetiva de ganharmos ambos.
Nessa comissão foram abordados outros problemas, como as tarifas. Qual a explicação para ser mais barato viajar para destinos europeus do que para a Madeira?
Temos uma política tarifária diferente da que se fazia há uns anos. Hoje, segmentamos as tarifas, com diversas classes, e não fixamos preços com base em custo, mas em competição e no que existe na equação entre oferta e procura. A tarifa média na Madeira caiu, como mostrei à comissão de inquérito. Acho que temos na Madeira um problema de perceção.
Como assim?
Para ter tarifas de 60 euros, temos de ter de 300 euros e quem compra com antecedência paga menos. Esse modelo é o que têm todas as empresas do Mundo. Sobre os destinos a diferentes preços, a explicação inclui algo mais. Por que é que um voo de conexão é sempre mais barato do que um voo direto? Primeiro, a conveniência tem valor. Segundo, uso muito o exemplo do voo Madrid-Funchal - como pode ser mais barato do que o voo Lisboa-Funchal? É muito simples: o meu voo, que faz Lisboa-Madrid-Funchal, compete com o que faz Lisboa-Funchal. Não faço o preço do voo Lisboa-Madrid-Funchal olhando para o custo desses dois trechos. Estabeleço os preços vendo o que o meu concorrente está a cobrar no voo Lisboa-Funchal e tenho de cobrar um pouco menos do que ele, porque é um voo com conexão. Fixo o preço Lisboa-Funchal olhando a taxa de ocupação desse voo e com base no que cobra o concorrente. O preço não é com base no custo, é com base na oferta e na procura e no ambiente competitivo. O cliente que vai fazer Madrid-Funchal nunca vai fazer Lisboa-Funchal, então se o "roubar" para vir no meu avião, podia até vender a zero, no limite, porque nunca vou ter aquele cliente. É um conceito um pouco complexo e o nosso jogo é o de estimular a procura.
Falta procura para a Madeira?
Se cobrar sempre 100 euros no Funchal, que é o valor médio do bilhete, vou ter menos passageiros do que se cobrar 60 euros e 300 euros. Porque há gente que viaja a 60, mas não viaja a 100 euros. Se eu não tiver essa amplitude grande de preços, é pior para os meus clientes porque vou ter de diminuir a oferta e não vou ter tantos clientes para voar. Foi o que fizemos na ponte aérea, no Porto, onde colocamos as tarifas baratas, abaixo do preço de custo, para estimular a procura.
Antonoaldo Neves, presidente executivo da TAP
Foto: Adelino Meireles / Global Imagens
De que forma a estratégia das companhias low-cost acaba por influenciar a vossa decisão de expansão de rotas?
A TAP não é "low-cost", é uma empresa de longo curso e é nesse segmento que geramos rentabilidade para muitas rotas de médio curso que não têm rentabilidade. E é no longo curso que está o futuro da empresa, porque se olhar para a distância das 100 maiores rotas entre as Américas e a Europa, Portugal é mais perto em 97 dessas rotas. E a aviação é distância. Isso faz com que a TAP tenha capacidade de competir no longo curso de uma forma muito absoluta com a Air France, a KLM, a Lufthansa, a Ibéria, a British Airlines. São esses os nossos concorrentes. Entretanto, não posso ignorar as low-cost, porque a minha margem é muito pequena e qualquer passageiro que perca para a low-cost pode ser a diferença entre a TAP ter lucro ou não. Nos meus aviões também tem espaço para os passageiros que iriam na low-cost. A lógica é de complementaridade do nosso produto de longo curso. Também quero o cliente da low-cost, por isso tenho uma tarifa discount sem bagagem. E não tenho nenhuma dúvida de que tenho um produto melhor. Não tenho de perseguir a estratégia da low-cost. A nossa estratégia em mercados onde há uma predominância maior de low-cost é de aposta no longo curso. Se quiser ter um voo de longo curso no Porto, tenho de adicionar rotas para a Europa, para preparar o longo curso.
Pondera abrir uma rota África do Sul-Portugal?
Pondero. Fizemos um estudo de cerca de 40 rotas que vamos abrir nos próximos cinco anos e Joanesburgo está na lista. Não será em 2019, mas nos próximos três a cinco anos. Tenho outros mercados prioritários.