Empresários enfrentam problemas financeiros por falta de pagamento dos livros deste ano. Ministério diz que desde setembro está a transferir verbas para as escolas.
Dois meses após o arranque das aulas, ainda há livrarias que não receberam o dinheiro dos manuais escolares, cuja responsabilidade é das escolas, mediante verbas transferidas pelo Ministério da Educação. Dada a complexidade do sistema, muitas ameaçam não aderir em 2019, comprometendo, assim, o alargamento da medida ao 12.º ano, que irá abranger 1,2 milhões de alunos. Há quem tenha recorrido à Banca para suportar o atraso. Ministério garante que está a pagar às escolas e pais estão preocupados.
Na Livraria Isabsa, em Lisboa, Abdul Gafar faz contas. Com "vouchers" de agosto e setembro ainda por receber, decidiu a 1 de outubro não aceitar mais encomendas. "Dos 100 mil euros que tinha a receber, só me pagaram uns 20%", revela. O capital da empresa não foi suficiente e teve de "pedir um empréstimo de 50 mil euros para pagar às editoras". No próximo ano, com o alargamento da medida ao 12.º ano, serão "mais livros e mais caros". Por isso, diz Abdul Gafar, "se o sistema de pagamento for igual, não vou aderir".
Em Portimão, a Livraria Algarve ainda tem "39 mil euros a receber", cerca de 90% dos livros entregues em setembro e outubro, assegura José Fernandes. Para o ano, "vai ser um problema ainda maior" e admite "ponderar bem" se vai aderir ao sistema.
Glória Rosa, da Lusíada, em São João da Madeira, é mais radical: "Se no próximo ano a demora for igual, nem abro a loja na altura dos livros escolares". "O pequeno comércio tem dificuldades em suportar estas dívidas, pois temos de pagar logo às editoras ou, em alguns casos, suportar uma caução".
Em Coimbra, Nuno Gomes, da José Almeida Gomes & Filhos, garante que ainda não recebeu "nem 30%" do valor dos livros que entregou. Este ano, a empresa aguentou. Mas, em 2019, se a demora for idêntica, "teremos de contrair um empréstimo".Na Paliarco, em São Marcos, Maria do Céu Costa conta que ainda não recebeu "um décimo" do valor dos manuais.
Escolas sem resposta
José Alves, dono de uma livraria no Porto, diz que só recebeu "10%". Quando se dirige às escolas, "respondem-me que não sabem quando vão ter o dinheiro". Tem "milhares de euros a receber", por isso, no próximo ano, vai "pensar bem". Este ano teve colegas a encaminharem pais para a sua livraria. "Deixaram de fornecer por não terem mais capacidade de endividamento". A Livraria Jenny, em Ílhavo, não esconde as dificuldades perante os "cerca de seis mil euros" por receber. "Não sabemos se a demora está nas escolas ou no Estado", diz Nancy Ferreira. Em 2019, "se o pagamento não for mais rápido, teremos de ir à Banca e isso não vale a pena porque não sobra lucro". As queixas continuam. Em Lisboa, a Livraria Barata já não aderiu este ano. "Teríamos de ter disponível um plafond de 500 mil euros" para pagar às editoras enquanto não chegasse o dinheiro da tutela, revela Elsa Barata. E antevê que, se tivessem aderido, "provavelmente" teria falido.
Como os processos são independentes em cada escola, também há livreiros sem queixas: a Bracara, em Braga, a Maria Papel, em Vagos, e uma livraria na Mealhada dizem estar a correr tudo "normal". A Porto Editora, das maiores fornecedoras de manuais, afirma estar a ser "flexível" com os clientes nas entregas e pagamentos. Já a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, contactada pelo JN, não respondeu em tempo útil.
Por sua vez, o Ministério da Educação explica que "as transferências para as escolas tiveram início em setembro, de acordo com as verbas que foram sendo solicitadas pelas escolas para fazerem os pagamentos às livrarias". Garante que já foi assegurada "uma transferência substantiva de verba".
Pormenores
529 mil alunos do 1.º ao 6.º ano abrangidos este ano. As livrarias trocaram os 3,5 milhões de vouchers por livros. Pedem na plataforma o número de compromisso e só depois passam a fatura às escolas, que pagam após receber verbas do Ministério.
Gratuitos até ao 6.º ano
No ano letivo 2018/19 os manuais escolares são gratuitos para todos os alunos do ensino público, do 1.º ao 6.º ano de escolaridade.
Alargar ao 12.º ano
A partir de 2019/20 todos os alunos nas escolas públicas terão acesso a livros gratuitos. O alargamento resulta das negociações com o PCP no OE para 2019.
Preocupações
Rui Martins
Confederação Nacional Independente de Associações de Pais
É preocupante se os livreiros desistirem. Os pais terão de fazer muitos quilómetros até encontrar quem tenha livros
Jorge Ascenção
Confederação Nacional das Associações de Pais
O que me preocupa é que os alunos tenham os livros a tempo e horas para começarem as aulas
Filinto Lima
Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas
Não sabemos de grandes problemas. Atrasos que haja devem estar do lado do IGF ou de escolas com pouco pessoal na secretaria