Depois de ter lançado o segundo volume do livro "Quinta-feira e outros dias", Cavaco Silva criticou, em entrevista à TSF publicada esta sexta-feira, a "má tradição dos políticos" de não darem contas do que fazem e avaliou a posição dos parceiros da Esquerda face à política deste Governo, deixando algumas palavras elogiosas ao papel de Mário Centeno na governação.
Nunca pensei que Bloco e PCP se curvassem tanto
Questionado sobre a "duração" dos entendimentos à Esquerda do atual Governo, o ex-presidente da República disse que antecipou que "a ideologia acabaria por ser derrotada pela realidade", ressalvando que não acertou em tudo. "Eu nunca pensei que o Bloco de Esquerda e o PCP se curvassem com tanta facilidade a essa realidade. Que viessem a aceitar tão facilmente aquilo que anteriormente eles atacavam com grande violência", especialmente no que diz respeito a "matéria orçamental" ou nos "cortes na área da saúde", expressou. "Isso é que foi a minha surpresa."
"Basta comparar a atitude que esses dois partidos tomaram no Governo do Passos Coelho e aquela que tomam em relação às mesmas matérias agora, no Governo", afirmou, exemplificando que, agora, BE e PCP "aceitam com toda a facilidade a imposição do Ministro das Finanças - corretamente - para respeitar aquilo que ele próprio procura impor no Eurogrupo aos outros países, nos mais variados domínios fiscais ou de despesas públicas".
Centeno dava um bom ministro das finanças de um governo social-democrata de direita
Sobre Mário Centeno, Cavaco disse que, apesar de o seu primeiro Orçamento de Estado ter sido quase "rejeitado" pela Comissão Europeia e "duramente criticado" pelo Conselho de Finanças Públicas e pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República, agora não teria dificuldade em dizer que o também presidente do Eurogrupo poderia "fazer parte de um Governo social-democrata de direita".
Elogiando o "diálogo", em particular com a Esquerda, e a "firmeza demonstrada", Cavaco considerou o atual governante uma "pessoa hábil". "Mas, acima de tudo um Ministro das Finanças precisa do apoio a 99% do primeiro-ministro. Isso aprendi eu, há muito muito tempo, olhando em particular aquilo que se passava na Alemanha. Esta afirmação que eu faço foi do chanceler Schmidt quando lhe perguntaram se ele apoiava o ministro das Finanças em 50%, ele respondeu 'não, a 50% não, a 99%'", destacou.
Cavaco aplaude livro de Passos Coelho
O ex-primeiro-ministro, que esteve presente no lançamento da obra de Cavaco Silva, na quinta-feira, anunciou que ele próprio vai escrever um livro. O antigo governante elogiou a decisão de Pedro Passos Coelho, dizendo que sempre criticou a má tradição de, em Portugal, "os políticos não prestarem contas daquilo que fazem". "Só posso aplaudir", disse, manifestando apoio total.
"Se Passos Coelho fizer isso tem o meu total apoio, independentemente do que ele escrever... tal como aquilo que eu conto - que foi o que se passou, são os factos - deve estar lá para que os portugueses saibam como atua o Presidente da República, independentemente de gostarmos ou não gostarmos do que está lá", afirmou.
Passos Coelho considerou que o segundo livro de memórias de Cavaco Silva dá uma "contribuição muitíssimo relevante" para o entendimento dos tempos da troika, mas admitiu que o livro "não diz tudo", prometendo "dizer e juntar" muitas coisas no livro que está a escrever.
Sobre as críticas, vindas sobretudo do Partido Socialista, à falta de sentido de Estado do ex-presidente da República, Cavaco respondeu que "de alguma forma já esperava".
Na entrevista, Cavaco sublinhou igualmente que, ao escrever o seu segundo livro de memórias sobre o tempo em que esteve no Palácio de Belém, deixou de lado "tudo o que eram questões pessoais" e "tudo o que podia ferir o superior interesse nacional".