Francisco Castro Rego pede apoios públicos à reconversão da floresta para espécies como o carvalho ou o castanheiro, nos primeiros 20 ou 30 anos.
No combate aos incêndios, o grande enfoque dado aos meios aéreos, que não voam de noite nem com vento forte, tem sido um erro, considera Francisco Castro Rego, presidente do Observatório Técnico Independente para Análise, Acompanhamento e Avaliação dos Incêndios Florestais e Rurais. Numa entrevista em que expressa opiniões pessoais, adiantou que o observatório está a confrontar as medidas do Governo com as recomendações das comissões técnicas aos incêndios de junho e outubro.
Do confronto das recomendações com as medidas tomadas, a que conclusões estão a chegar?
Com a análise dos incêndios deste ano veremos se houve melhoria da eficácia. Aparentemente, há melhorias no combate, na proteção civil, na perceção pública do risco. Mas é fundamental perceber se correspondem à realidade. Temos de perceber que parte do que correu melhor do que no ano passado se deve à meteorologia ou à melhoria do sistema.
A especialização do combate é o caminho certo?
A maior especialização dos agentes para questões de fenómenos extremos (quando as condições são propícias a um grande incêndio) é fundamental. Houve melhorias, mas tem de ser reforçada, em número e sobretudo em estratégia, formação, conhecimento, lógica de combate. Os voluntários são fundamentais, mas a sua atuação, em condições extremas, está limitada. Quando se antecipam condições extremas, desde o início tem de haver acompanhamento por agentes mais especializados.
Há formas de fazer uma boa exploração (da floresta) não mexendo no tabu da propriedade
No combate, tem-se investido sobretudo em meios aéreos. Concorda?
Em condições extremas, os meios aéreos estão limitados nas condições mais difíceis (de vento forte) e nas condições mais benéficas para o combate (à noite). Centrar o enfoque do combate nos meios aéreos tem sido uma facilidade muito redutora.
Não vai a ponto de dizer que o enfoque grande dado aos meios aéreos é um erro?
Aí posso dizer claramente que tem sido um erro centrar apenas a discussão do combate numa lógica de meios aéreos, de quem gere, de quantos são, etc. São um bom complemento, mas precisam de uma base bastante diferente.
Os sapadores florestais, de entidades privadas, estão a ser reforçados. Faz sentido, ao invés de reforçar as estruturas públicas?
Temos um pecado original com 200 anos: a privatização da floresta. Somos um caso único na Europa e quase único no Mundo, de uma floresta tão pouco estatal. O programa de sapadores é uma tentativa do Estado de apoiar os privados. Do ponto de vista do desenho institucional, está certo. Mas o diabo está nos detalhes, nos salários muito baixos. Há equipas que funcionam bem e outras que mudam constantemente, em que a formação dada num ano desaparece no ano seguinte, porque é preciso recrutar outros...sapadores.
A redução rápida de combustível em largas áreas exige fogo controlado ou a utilização energética
Que balanço faz da reforma da floresta?
Há uma variedade grande de situações. Tenho acompanhado mais a dos fogos controlados [para limpar a floresta]. Se bem utilizados, permitem reduzir o combustível em áreas muito significativas, mas têm de ganhar escala. As intervenções têm sido parcelares, dependentes de candidaturas "ad hoc" ao Programa de Desenvolvimento Rural, o que não permite uma lógica territorial coerente. Uma redução de combustível rápida, em largas áreas, exige fogo controlado ou uma utilização energética do combustível, mais útil, rentável e neutra, do ponto de carbono. Há muitos exemplos na Europa Central de uso da biomassa para produzir calor no inverno.
As entidades coletivas de gestão de floresta têm condições para funcionar bem?
Não tem havido um quadro contratual entre o Estado e as entidades gestoras da floresta com horizontes temporais e condições financeiras. Está tudo dependente de fundos comunitários.
É possível reordenar a floresta sem forçar os proprietários a explorar ou a entregar à exploração?
Há formas de fazer uma boa exploração, não mexendo no tabu da propriedade. O país reage a estímulos. A partir do momento em que a floresta esteja constituída, espécies de lento crescimento como o carvalho ou o castanheiro podem dar uma rentabilidade superior às de rápido crescimento, como o eucalipto e o pinheiro. Mas os proprietários só entrarão nessa equação se houver, para os primeiros 20 ou 30 anos, apoios à reconversão. Seria um bom investimento do dinheiro público ou comunitário.
Que avaliação faz da forma como os proprietários tiveram de limpar os terrenos em torno de casas?
Teve um efeito excelente: alertar as pessoas para o risco. A mediatização foi bem feita, porque chegou a toda a gente. Mas a componente técnica, do fazer bem e olhar para as consequências, não foi bem medida. Havia condições para fazer melhor. Do ponto de vista do alerta e da criação de perceção de risco, foi bem; da solução técnica, foi mau.
Não se apurou a causa de 56% dos incêndios. Seria importante fazê-lo?
Com um elevado número de ignições, apurar as causas de 100% não é realista. Fundamental é, até por amostragem, perceber as causas determinantes e trabalhá-las, na vertente da sensibilização, educação e repressão. Há uma regionalização grande das causas.