Número de caixas de fármacos em falta, de janeiro a setembro, disparou 28% face ao período homólogo. Doentes obrigados a fazer várias viagens para aviar receitas ou a substituir medicação por alternativas
Quantas vezes já ouviu o farmacêutico dizer que, de momento, não tem o medicamento que procura? Certamente muitas porque, nos primeiros nove meses deste ano, faltaram 45,1 milhões de embalagens de fármacos nas farmácias do país, muitos dos quais receitados pelo médico e alguns considerados essenciais pela Organização Mundial da Saúde. As falhas de medicamentos nas farmácias dispararam 28% face ao mesmo período de 2017 e, a manter-se o ritmo, vão ultrapassar em muito os números dos anos anteriores.
Quase sem stock nas prateleiras, por falta de liquidez e porque o abastecimento do mercado é irregular, as farmácias têm cada vez mais dificuldades em responder no momento às necessidades dos doentes, que acabam por ter de fazer várias deslocações para aviar as receitas. E é no interior do país, onde há mais idosos e as farmácias distam mais quilómetros, que o problema é maior.
Afeta todo tipo de fármacos
Só em setembro, foram reportadas cerca de 6,3 milhões de embalagens em falta (mais 42% do que em setembro de 2017) por 1.949 farmácias (67% do total), revela o último relatório do Observatório dos Medicamentos em Falta do Centro de Estudos e Avaliação em Saúde (Cefar) da Associação Nacional das Farmácias (ANF). Segundo o documento, a que o JN teve acesso, o problema afeta todo o tipo de medicamentos, de marca e genéricos, de várias especialidades.
A embalagem de 30 comprimidos de Aspirina GR 100 mg foi a campeã das faltas em setembro. Este analgésico e antipirético, muito prescrito também para prevenir doenças cardiovasculares, registou quase 488 mil faltas no mês passado. Há alternativa no mercado pelo que "não é dramático", assegura Luís Martins, diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga. O Bisoprolol e o Concor são outros medicamentos da área da Cardiologia no top 20 dos fármacos em falta no mês passado, mas também têm alternativa, realça o cardiologista.
Viagens e riscos das mudanças
Nesta especialidade, graças à ajuda dos médicos e dos farmacêuticos, os doentes conseguem resolver as dificuldades. Ainda assim, há sempre o transtorno das viagens à farmácia e o risco de confusão na toma provocado pela substituição de embalagens. Situações que poderiam ser evitadas se o sistema de prescrição eletrónica de medicamentos alertasse os médicos para as faltas no momento em que estão a passar a receita, defende Luís Martins.
Em segundo lugar, com 277 mil faltas em setembro, surge o Sinemet, um fármaco cuja rutura de stock no fabricante está a provocar grande angústia nos doentes de Parkinson. O Infarmed dedicou prioridade máxima ao caso e garantiu, há dias, que o mercado está a ser abastecido com alternativas.
O relatório do Cefar coloca em terceiro lugar as embalagens de 30 comprimidos de Trajenta 5 mg, um medicamento indicado para a diabetes tipo 2. Também para esta doença crónica, que afeta milhares de portugueses, faltaram em setembro mais de 41 mil embalagens de 20 comprimidos de Januvia 100 mg. Ao contrário de outros meses, não faltaram insulinas. "Dizemos sempre aos doentes para terem um stock em casa, mas, muitas vezes as pessoas levantam à ultima hora e estas falhas causam grande preocupação", admite João Raposo, diretor clínico da Associação Protetora dos Diabéticos Portugueses. Até agora, tem havido alternativas, reconhece, mas pressupõe sempre um esforço dos profissionais de saúde para ensinar os doentes a usar os novos medicamentos, refere João Raposo, admitindo que "as mudanças podem ter intercorrências de saúde".
Mais faltas no interior
Castelo Branco, Vila Real, Bragança, Viseu e Guarda são os distritos com maior percentagem de farmácias a reportar faltas dos três fármacos que mais falharam em setembro (Aspirina, Sinemet e Trajenta).
Falha de genéricos
Em setembro, registaram-se 1,66 milhões de falhas de embalagens de genéricos, o que equivale a 27% do total de genéricos.
Essenciais para OMS
No top 100 dos fármacos em falta em setembro, há quatro classificados como essenciais pela Organização Mundial da Saúde: um antibiótico e três do grupo dos antiepiléticos.
Via verde do Infarmed
Há quatro medicamentos no top 100 das faltas em setembro cuja exportação depende de notificação prévia ao Infarmed.
Seis ruturas graves
O Infarmed recebe, em média, por semana a notificação de 30 ruturas de curta duração, seis de impacto médio e outras seis de impacto elevado.
Ruturas de mercado
Este ano, o Infarmed deu autorizações de utilização especial (AUE) para importação de dez medicamentos, com vista a combater ruturas de mercado.