Um grupo de 31 jovens moçambicanas fintou os casamentos prematuros e outras tradições que ditam a vida de quase metade das adolescentes em Moçambique e começa estágios, na próxima semana, em Portugal.
Em Moçambique, cada rapariga "tem uma idade em que se deve casar, tem idade em que deve ter filhos, obrigatoriamente, e não tem poder de escolha", refere Delta Pagula, 24 anos, uma das selecionadas para o programa Change da Girl Move Academy.
Delta faz parte do pequeno universo de 1% de moçambicanas que terminou o ensino superior, o que lhe permitiu candidatar-se ao programa de formação em liderança para mulheres, promovido pela organização portuguesa e que vai este ano na terceira edição.
Houve 700 candidaturas, de entre as quais foram selecionadas as 31 participantes.
Moçambique tem 28,8 milhões de habitantes, de acordo com o censo de 2017, e as mulheres representam 52% da população, mais de metade da qual tem menos de 18 anos.
No dia em que falou à Lusa, poucas horas antes de embarcar num avião para Portugal, a cabeça de Delta já estava em Lisboa, onde vai estagiar durante dois meses numa empresa de recursos humanos e passar pela sede de outras. A conversa com as colegas já era sobre linhas de metropolitano, horários, ruas e avenidas da capital portuguesa.
É a primeira vez que viaja para fora de Moçambique e acredita que, quando regressar, terá mais conhecimentos e outra experiência para concretizar o seu sonho: abrir uma associação de apoio ao investimento em negócios no feminino.
"A mulher do meu país tem talento. Uma mãe de 20 anos consegue criar três filhos. Ela tem esse potencial, essa força", só precisa das "ferramentas" certas para desenvolver novas ideias.
Delta não está sozinha: Alice Ambrucer, 21 anos, vai estagiar num firma de advocacia e, quando regressar, pretende criar um projeto em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher.
O estágio de dois meses noutro ambiente empresarial, noutro país, expande os horizontes, refere Notilija Vilanculo, 26 anos, coordenadora de recrutamento da quarta edição da academia, ela própria uma participante que terminou o programa em 2017 e que foi convidada para ficar.
"Girl Move é um movimento de entreajuda", descreveu, para explicar que, mesmo depois da formação, continua a haver apoio para a implementação de projetos e ideias empresariais.
Uma ajuda que poderá ser essencial, num país onde o crédito bancário pratica juros proibitivos (taxa de referência a 21,75%) e o ambiente de negócios está classificado como um dos piores do mundo: o relatório "Doing Business" 2017 do Banco Mundial, colocou Moçambique no 137.º lugar de um total de 190 países.
Quando surgirem novas empresas no setor agrícola, Vera Guidiche, 23 anos, quer estar lá.
Frequentava a faculdade quando se convenceu que queria ser "uma agente de mudança" e tem o sonho de o fazer produzindo hortícolas e prestando formação.
Para já, vai estagiar numa empresa de retalho que gere grandes superfícies em Portugal, onde espera perceber como funciona a relação com os produtores.
O estágio em empresas portuguesas é uma das fases do programa Change de formação em liderança, que dura um ano.
Noutra fase (projeto Mwarusi), as participantes são também tutoras de outras jovens.
Em três edições, a intervenção junto de 2.600 adolescentes em Nampula (terceira cidade de Moçambique) já fez com que a taxa de maternidade infantil descesse de 40% para zero, destaca a Girl Move.
A academia pretende abrir caminho para o sonhos e a concretização "vai depender da força de cada 'girl mover'. O programa Change dá-lhes ferramentas de excelência, em que "elas aprendem a não ter o peixe, mas a pescar", conclui Notilija.
A Girl Move tem sede em Portugal, iniciou atividade em Moçambique em 2013 e apresenta-se como uma "academia de líderes transformadoras".
A organização trabalha com o Ministério do Género, Criança e da Ação Social de Moçambique, com o Governo da Província de Nampula e com a Cooperação Portuguesa.