O Governo não vai permitir à Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) o acesso ao software Traces, uma aplicação que permite rastrear a eficácia da cobertura da rede de comunicações SIRESP em tempo real. Apesar de o Traces ter sido comprado pela ANPC há três anos, o Ministério da Administração Interna (MAI) considera que não deve ser a Proteção Civil a assumir essa função fiscalizadora.
Para o Governo, cabe à Secretaria-Geral da Administração Interna (SGAI) rastrear o SIRESP - Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal. E sublinha que a aquisição do Traces não só nunca foi justificada pelo anterior Governo, como nem sequer é completamente eficaz.
A decisão foi revelada numa resposta dada ao CDS, que questionou o Executivo PS pela demora na entrega do software à Proteção Civil. "A aplicação Traces não se destina a ser utilizada em cenário operacional pela ANPC. A ANPC dispõe dos mapas de cobertura da rede SIRESP, que são os instrumentos adequados a utilizar no âmbito das comunicações", defende o MAI, que garante a ineficácia do software.
"Se numa determinada área não tiverem sido estabelecidas comunicações por utilizadores da rede SIRESP, mesmo estando a cobertura SIRESP garantida, a aplicação Traces sinaliza essa área como não tendo cobertura", argumenta o MAI na resposta a que o JN acedeu.
O Governo assegura também que esta "ferramenta está a ser usada utilizada exatamente de acordo com as respetivas funcionalidades" pelo Centro de Operações e Gestão (COG), entidade na dependência da SGAI que fiscaliza o SIRESP.
Venda por gestor
O Traces foi adquirido em maio de 2015, por quase 208 mil euros, à Motorola. Esta é a mesma empresa que não só integra a empresa SIRESP, SA - que gere a rede -, como a quem pertence a tecnologia usada no sistema desenhado pela Altice, em 2006.
A compra foi feita quando a ANPC era liderada por Grave Pereira, que se demitiu há dois anos, após um inquérito da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) apontar-lhe gravosas responsabilidades na transferência dos helicópteros pesados Kamov do Estado para a empresa Everjets.
O JN apurou, junto de fontes ligadas ao processo, que a proposta de aquisição terá partido da Divisão de Informática e Comunicação da Proteção Civil, cujo responsável, Paulo Machado, também já ali não está.
Aquando dos incêndios de 2017, em que foram inúmeras as falhas do SIRESP, este software mantinha-se sem uso. Nos relatórios da Comissão Técnica Independente aos fogos de Pedrógão e de outubro, foi apontada a necessidade de se usar mecanismos de controlo da cobertura da rede.
CDS fala de desnorte
Dado o historial, o Governo acusa o anterior Executivo PSD/CDS de ter comprado o Traces "através da ANPC" sem "fundamentos".
A deputada do CDS, Vânia Dias da Silva, autora das questões a que o MAI respondeu, vê nesta acusação "um desnorte do atual Governo, que demonstra não perceber o quanto o Traces poderia ter sido útil no teatro de operações, em 2017, como referiram os relatórios".
"É à ANPC que compete estabelecer o cenário operacional. E tudo o que auxilie o comando nas suas decisões é de uma vital importância. Pena que o MAI se perca a assacar responsabilidades ao anterior Governo", conclui a centrista.