Mais de 20 pessoas morreram desde o início de junho devido a boatos espalhados no WhatsApp sobre o rapto de crianças na Índia.
A mais recente fatalidade aconteceu há uma semana. Em Madhya Pradesh, uma mulher foi assassinada por um grupo de pessoas que a perseguiu depois de rumores de que raptores de crianças estavam a operar naquela Zona do Centro do país.
Os casos repetem-se e têm como fator comum o WhatsApp, que só na Índia tem mais de 200 milhões de utilizadores. Por exemplo, um muçulmano foi espancado até à morte, também por um grupo de indivíduos, no oeste do país, depois de se terem espalhado notícias falsas de que estaria a traficar vacas, um animal sagrado para a população hindu. Grupos de "vigilantes de gado" operam em vários pontos do território respondendo a informações que circulam nas redes.
O medo é tal que as autoridades indianas já pediram a intervenção do Governo. O Supremo Tribunal solicitou ao Executivo que promulgue uma lei que controle o caos provocado pelas mensagens falsas que circulam nas redes sociais. "Os cidadãos não podem tomar a lei nas suas mãos e não se podem tornar, eles próprios, a lei", disse o presidente do tribunal, Dipak Misra, à agência de notícias Press Trust of India.
A própria rede social anunciou um travão no número de vezes em que uma mensagem pode ser reencaminhada para outros contactos. E lançou uma campanha nacional nos principais jornais do país, alertando para os riscos desta cadeia de mensagens. O objetivo é acabar com a corrente de notícias falsas e terminar com as mortes que estão a provocar.
Contágio pela emoção
"Se uma determinada mensagem nos assusta, instintivamente, vamos partilhá-la com outra pessoa", disse ao "Jornal de Notícias" Danielle Kilgo, especialista em redes sociais da Universidade do Indiana, nos Estados Unidos. "A emoção é um valor importante para a viralidade de um tema e um fator essencial para os incidentes na Índia".
Uma posição partilhada por Francisco Conrado, da Universidade do Minho, que defende que a partilha de notícias, mesmo que falsas, corresponde à necessidade do ser humano de "sentir que faz parte de algo maior". "Quando partilhamos uma informação valiosa, sentimos que estamos a ganhar algum capital social junto dos nossos conhecidos", afirmou o investigador.
Mas há mais elementos que ajudam a compreender a rápida difusão destas mensagens e o risco que representam. "O WhatsApp, contrariamente ao que acontece com o Facebook ou o Twitter, é uma rede usada para comunicar só com amigos e familiares. Este grau de confiança faz com que nem se questione se as mensagens são verdadeiras", justifica a investigadora norte-americana, que salienta o perfil móvel da rede social: "Favorece a redistribuição de conteúdos sem verificação".
Para Manuel David Masseno, especialista em cibersegurança da Universidade de Évora, o caso não representa grande novidade. "É uma situação semelhante aos antigos boatos que justificaram, em muitos países, a caça às bruxas", revelou. "São dinâmicas que sempre existiram e que as redes sociais conseguem amplificar", acrescentou Danielle Kilgo.
Educação é chave
"Em vez de controlar o fenómeno através da análise dos conteúdos, a rede social optou pela forma mais simples. Limitou o número de partilhas", criticou Manuel David Masseno, que encara a intervenção de forças governamentais com cautela: "Em democracia, a censura prévia não deve ser tolerada, salvo em último caso, para proteger a vida e a integridade das pessoas".
Por seu lado, Francisco Conrado aponta uma outra alternativa para limitar o fenómeno verificado na Índia: "A melhor forma de combater a disseminação de notícias falsas e alarmistas é através da educação dos utilizadores".