O bispo José Tolentino de Mendonça, ordenado este sábado, disse que vai procurar preservar o "grande tesouro" do Arquivo Secreto do Vaticano, que vai tutelar a partir de setembro, e garantiu que continuará a ser padre e escritor.
Tolentino de Mendonça foi ordenado arcebispo este sábado, numa cerimónia no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, presidida pelo cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, e a que assistiram centenas de pessoas. O arcebispo assumirá as novas funções no Vaticano a 1 de setembro.
A partir de setembro, vai ser arquivista do Arquivo Secreto do Vaticano e bibliotecário da Biblioteca Apostólica, passando a tutelar a mais antiga biblioteca do mundo.
"A minha preocupação será, por um lado, a de preservar aquele repositório, que é um grande tesouro da igreja e da humanidade e, ao mesmo tempo, pô-lo a dialogar com a contemporaneidade", afirmou aos jornalistas, após a cerimónia de ordenação.
Tolentino de Mendonça defendeu que "é preciso ir além de uma certa ficção que romanceou muito aquele Arquivo privado", sublinhando que o Arquivo "está muito aberto à sociedade" e tem "mais de dois mil investigadores creditados".
"O Santo Padre, o nosso querido papa Francisco, quis colocar-me ao serviço do Arquivo e da Biblioteca Apostólica. Não sei, ainda hoje, as razões do seu convite, que expressa para com a minha pobre pessoa uma confiança que filialmente agradeço, mas que não deixa, ainda agora, de ecoar a sua surpresa em mim", disse, num discurso no final da cerimónia de ordenação.
Já após a ordenação, Tolentino de Mendonça garantiu aos jornalistas que, nas novas funções, que assumirá em 01 de setembro, não deixará de ser, também, escritor.
"O Santo Padre espera de mim que eu continue a ser um instrumento de diálogo e de aproximação entre a Igreja e a cultura. É isso que farei, a partir da Biblioteca Apostólica, sem dúvida colocando ao serviço da igreja aquilo que são os meus talentos e a minha forma de ser e a escrita é uma forma de comunicação, na qual continuarei a apostar como o lugar de representação, de comunicação de Jesus no mundo de hoje", assegurou.
Da mesma forma, não deixará de ser padre. "Um bispo continua a exercer este ministério de paternidade espiritual para com toda a humanidade e o povo de Deus. Como bispo, continuo a sentir-me pai", sustentou.
"Durante 28 anos, a palavra padre foi a mais bela do meu coração", dissera antes.
Questionado sobre se está disponível para a reforma do papa, o bispo recordou que foi chamado por Francisco, cujo retiro espiritual orientou, na quaresma.
"Certamente é para colocar-me numa grande proximidade com a sua mensagem, com o seu programa para a Igreja do nosso tempo", referiu.
Tolentino de Mendonça explicou que escolheu como lema da sua ordenação "a palavra de Jesus 'Olhai os lírios do campo'".
"É um desafio muito grande alargarmos o nosso olhar cada vez mais. Isso vai muito na linha daquilo que diz o papa Francisco, que temos de ir além da autossuficiência e da autopreferencialidade. É isso que eu também quero viver, uma igreja com sentido missionário e de serviço à humanidade", considerou.
Entre os fiéis estavam o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sozinho numa cadeira mais próximo do altar.
Mais atrás, na primeira fila, estavam o antigo chefe de Estado Aníbal Cavaco Silva, e a mulher, Maria Cavaco Silva, e também a presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, acompanhada da família. Também a antiga presidente do PSD Manuela Ferreira Leite assistiu à cerimónia.
Tolentino de Mendonça dedicou grande parte do seu discurso a agradecimentos, começando pelo Presidente da República.
"A sua presença honra uma história de relação entre a nação portuguesa e a Santa Sé, multissecular, de amizade", afirmou.
Saudou também Manuel Clemente, que disse ser uma inspiração "no seu estilo de pastor, na sua inteligência e no seu coração sempre amigo".
"Caríssimo Dom José Tolentino, estamos aqui tantos, felizes, em ação de graças pela tua ordenação episcopal. Agradecemos ao papa Francisco ter-te escolhido para zelar por um património único de memória criativa", afirmou o cardeal patriarca, durante a homilia
"Imensamente maior é o nosso mundo, com tudo o que espera ou desespera, com quanto atinge de bom ou menos bom. A tua inteligência e sensibilidade saberão partilhar aquilo que agora é confiado ao teu bom zelo e que assim mesmo crescerá também", acrescentou.
Ao longo de quase duas horas e meia, e acompanhada pelos cânticos do Coro Diocesano de Lisboa, a cerimónia de ordenação episcopal como arcebispo titular de Suava (norte de África) foi marcada por vários ritos, como a leitura do mandato apostólico e a entrega do livro dos Evangelhos e das insígnias (anel, mitra e báculo pastoral).
O chefe de Estado foi o primeiro a cumprimentar o novo bispo e foi também o primeiro a receber a comunhão das mãos de Tolentino de Mendonça, seguindo-se a líder do CDS-PP e, um pouco depois, o seu antecessor, Paulo Portas.
O bispo ordenado percorreu a igreja, abençoando os presentes, sob um prolongado aplauso.
"Sei que estamos juntos para o resto da vida a olhar para os lírios", disse, antes de pedir, tal como faz sempre o papa: "Rezem por mim".
Presidente da República diz que novo arcebispo terá futuro "muito significativo" no Vaticano
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse este sábado que José Tolentino de Mendonça, ordenado arcebispo, em Lisboa, é "um português excecional" que terá "um futuro muito significativo" na Cúria Romana.
"Foi uma celebração muito especial, por várias razões. Como disse o novo bispo, é muito muito importante nas relações entre Portugal e a Santa Sé", afirmou o chefe de Estado, no final da cerimónia, aos jornalistas, evocando palavras do novo bispo, que recordara a "relação multissecular e de amizade" entre Lisboa e o Vaticano.
Esta ordenação significa a "presença, junto do papa, mas mesmo junto do papa, numa responsabilidade fundamental, numa categoria de bispos em que é muito raro haver portugueses, de uma personalidade que é excecional, não é só um português, mas é um português excecional", considerou Marcelo Rebelo de Sousa.
"O papa Francisco quis ter esta personalidade junto dele. Não é difícil augurar-lhe um futuro muito significativo na própria Cúria Romana", sublinhou.
Além disso, apontou o chefe de Estado, Tolentino de Mendonça, também escritor e poeta, "é uma das grandes figuras da cultura portuguesa, e todos admitem isso, católicos, não católicos".
"É daquelas realidades admiradas por todos, como poeta, como escritor, como figura que permanentemente exerceu a sua missão na educação, na universidade e fora dela", referiu.
Marcelo Rebelo de Sousa comentou ainda que o bispo ordenado é "um grande amigo de há muitas décadas".
Questionado se se perderá um pensador, o presidente da República recusou essa ideia. "Não. Continua a ser um grande pensador, um grande intelectual e um homem junto das pessoas", afirmou.