O realizador Joaquim Pinto quando recebeu o prémio do festival de Locarno
Joaquim Pinto conquistou esta noite na 66ª. edição do Festival de Locarno, na Suíça, um dos maiores triunfos internacionais da história do cinema português com "E Agora? Lembra-me", filme autobiográfico sobre o quotidiano e as memórias do realizador.
Joaquim Pinto, 56 anos, convive há vinte anos com o VIH e o vírus da hepatite C. Com a ajuda preciosa do companheiro Nuno Leonel, filmou o seu último ano de tratamentos em Madrid com drogas não aprovadas. Porém, e tal como o Expresso noticiou a 3 de agosto (caderno Atual), o filme não se esgota nesse bloco de notas escrito no presente.
Peça chave, como técnico de som, dos últimos 30 anos de cinema português, também ele realizador e produtor (de João César Monteiro, entre muitos outros), Joaquim Pinto aproveitou o 'ano de paragem' para revisitar o seu extraordinário percurso de vida - e a partir do quotidiano, o espectador é levado para um quimérico livro de memórias capaz de falar-nos, com grande espírito de generosidade e partilha, da passagem do tempo e do milagre da vida.
Prémio muito raro para o cinema português
O notável prémio de Pinto, raríssimo no cinema português, equivale a uma 'medalha de prata' em Locarno. Apenas Manoel de Oliveira, o já citado João César Monteiro e José Álvaro de Morais (que venceu este mesmo festival, em 1987, com o magnífico "O Bobo") chegaram até hoje a este patamar de excelência no pódio de um grande festival internacional. Para além disso, "E Agora? Lembra-me" conquistou ainda o Prémio Fipresci, atribuído pela crítica internacional.
Este 2013 cinematográfico vai ser o ano de "E Agora? Lembra-me". Adivinha-se que o reconhecimento suíço abrirá ao filme uma longa vida no circuito dos festivais. Em Portugal, vai estrear no âmbito do Festival Queer, em setembro, volta a ser exibido no mês seguinte, pelo DocLisboa, chegando depois às salas. Os nossos parabéns a Joaquim Pinto e a Nuno Leonel, bem como às produtoras Joana Ferreira e Isabel Machado, da C.R.I.M.
Encontro entre Casanova e Drácula conquista o Leopardo de Ouro
Outro filme sublime de Locarno, "Story of My Death", do catalão Albert Serra, venceu o Leopardo de Ouro do festival. Pode pois dizer-se que o triunfo ibérico na Suíça foi completo. Trata-se do melhor trabalho até à data do autor de "Honra de Cavalaria" e "O Canto dos Pássaros", história de um encontro transcendente entre Giacomo Casanova e Drácula, na passagem do século XVIII para o século XIX - e uma viagem destemida ao âmago do Homem que casa a história, a literatura e o mito no mesmo gesto de alquimia. "Story of My Death" é amplamente destacado na edição impressa de hoje do Expresso, no Atual.
Melhor realizador: Hong Sang-soo
Já o Leopardo de Prata de melhor realização foi atribuído ao sul-coreano Hong Sang-soo no também excelente "Our Sunhi", relato da vida de três homens subitamente apaixonados pela mesma rapariga, a Sunhi do título (uma estudante de cinema). Pouco a pouco, também o público português se vai habituando a incrível originalidade do cinema de Hong Sang-soo - este é o seu 15º filme em 17 anos de trabalho.
Outros prémios
Nas categorias de interpretação, Brie Larson recebeu o Leopardo de Prata de Melhor Atriz por "Short Term 12", de Destin Cretton. Aviso à distribuição: esta história em torno de uma supervisora de um centro de apoio a adolescentes em risco é um dos grandes filmes independentes americanos do ano. Foi aplaudidíssimo em Locarno.
Em representação da cinematografia peruana, Fernando Bacilio conquistou o Leopardo de Prata de Melhor Ator por "El Mudo", de Daniel e Diego Vega, inquérito às teias de poder e às burocracias do país pelos olhos de um funcionário da justiça que é baleado sem saber porquê.
"Manakamana", outro filme de valor realizado por Stephanie Spray e Pacho Velez (foi produzido por Véréna Paravel e Lucien Castaing-Taylor, os autores de "Leviathan", que venceu o IndieLisboa), é um retrato humano invulgar captado em múltiplas viagens do teleférico do templo nepalês do título. Conquistou o Leopardo de Ouro da secção Cineastas do Presente.
Na mesma secção, foi distinguido o realizador galego Lois Patiño por "Costa da Morte", bem como o francês "Mouton", de Gilles Deroo e Marianne Pistone. "Mouton" recebeu ainda o Leopardo de Melhor Primeira Obra.
O festival prestou ainda uma homenagem sentida a Paulo Rocha, desaparecido no ano passado, apresentando em estreia mundial "Se Eu Fosse Ladrão... Roubava", filme póstumo do grande cineasta do Porto.
O cinema português falou bem alto nesta excelente edição: contas feitas, Locarno 2013 foi o festival de cinema mais valioso do ano.