É estimado que 3% a 5% das crianças sejam sobredotadas. Especialistas e pais queixam-se da falta de respostas em Portugal
Aos oito meses, Pedro disse a primeira palavra. Para grande frustração dos pais, não foi "mamã" nem "papá", mas "peixes". Com dois anos já decorava as matrículas e as marcas dos carros. Aos cinco, quando a mãe o viu a ler os rótulos dos frascos de champô e lhe perguntou há quanto tempo sabia ler, disse-lhe que o fazia "há milhões de anos". Mas as suspeitas de que o filho era sobredotado só viriam a ser confirmadas por volta dos 7 anos. "Tinha um péssimo comportamento nas aulas. Éramos constantemente chamados por causa das suas extravagâncias. Não estava atento, mas tinha ótimas notas", recorda a mãe, Ana César.
A certa altura, Pedro começou a ser acompanhado na escola por um psicólogo, que o avaliou como "bem dotado". Mas, apesar do excelente aproveitamento, mantinham-se os problemas de atenção e comportamento. Ana recorda-se de receber inúmeros telefonemas da professora do filho logo às 09.00, porque o Pedro nunca fazia os trabalhos de casa. Foi o "desespero" que levou a família a pedir uma nova avaliação fora da escola. "O relatório indicou que atingia o nível da sobredotação." Um "alívio" para o pai, que finalmente percebia os seus comportamentos, uma preocupação para a mãe, que não sabia como lidar com isso. Pedro, agora com 12 anos, sabe que as suas capacidades intelectuais são bastante superiores à média, mas essa não é a regra. Dizem os especialistas que a maioria dos sobredotados não estão identificados como tal.
"Estima-se que 3% a 5% das crianças e adolescentes que frequentam as escolas têm características de sobredotação. A maioria está por identificar. Muitos destes jovens passam despercebidos na escola por falta de estruturas de identificação e acompanhamento", afirma Alberto Rocha, presidente da direção da Associação Nacional para o Estudo e a Intervenção na Sobredotação (ANEIS). Atendendo aos últimos dados do Ministério da Educação sobre os estudantes matriculados em Portugal (2014-15), podem existir até 80 mil crianças e jovens sobredotados em Portugal. "Muitos são apenas percebidos como hiperativos, desinteressados ou como alunos incómodos, em conflito com o próprio ensino, que não corresponde às suas necessidades e expectativas. Uma percentagem significativa de professores confessa nunca ter detetado um aluno sobredotado ao longo da sua vida profissional", acrescenta o especialista em psicologia da educação.