Entrevista a Filipe Anacoreta Correia, que foi dos críticos mais enérgicos à liderança de Paulo Portas. Ironia do destino, vai ocupar o lugar de deputado deixado pelo presidente
O que não conseguiu Paulo Portas que Assunção Cristas vá alcançar no CDS?
Agora que Paulo Portas declarou a sua saída, mais importante do que salientar os aspetos em que não nos revimos, é fazer uma avaliação distante, reconhecer o legado que deixa. Olhamos para este momento do partido como essencial. Tendo a liderança de Paulo Portas sido tão marcante, com tanta longevidade, é grande desafio para o partido e uma grande oportunidade. Esta altura deve ser de mudança.
É saudável para a dinâmica de um partido haver tanto consenso à volta de um candidato a líder?
Ninguém estranharia se houvesse mais candidatos. Mas não podem ser forçados.
Foi difícil a decisão de não se candidatar à liderança?
O meu processo de decisão foi tranquilo. Decorreu da avaliação que fiz sobre como o partido iria enfrentar esta fase de mudança de liderança. Entendi que Assunção Cristas podia protagonizar melhor do que qualquer outra pessoa, incluindo eu próprio, esse desafio.
A sua moção ao congresso defende que o CDS volte a ser o "partido dos contribuintes", defende-os da "agressividade" da máquina fiscal. O CDS teve um secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Não tiveram já essa oportunidade?
Fizemos um trabalho notável no combate à evasão fiscal. Isso é um serviço aos contribuintes. Apenas parte dos portugueses pagam impostos e são sempre os mesmos. Mas assistiu-se a um ímpeto de eficiência com demasiada e desproporcionada agressividade na execução de contraordenações, penhoras e execuções fiscais, em que faltou sensibilidade política para se perceber que se estava a ir longe de mais. Gostava de ter ouvido uma palavra do CDS sobre isso. Faltou a capacidade de distanciamento crítico que tivesse travado os excessos da administração fiscal perante os contribuintes
Outra ideia da sua moção é uma guerra às clientelas partidárias no Estado, os chamados jobs for de boys. Acredita que Assunção Cristas assumirá essa bandeira?
Esperamos que Assunção Cristas tenha a capacidade de levar isto a sério. É um compromisso importante. O CDS deve ser exemplar no combate às clientelas do Estado. É um aspeto essencial do nosso pensamento político. Aliás, é crucial como já demonstra a presente atuação deste governo socialista. Há um ímpeto dos governos em Portugal para controlar a administração pública (AP) com colocações de "amiguismo" puro. Isso permite algum controlo sobre a atividade da AP, que se torna mais facilmente manuseável. Temos uma AP disponível para fazer o que os partidos querem.
Quer dizer que o CDS também beneficiou de jobs?
Somos um partido relativamente pequeno, conhecemo-nos bastante e sabemos o que acontece. O facto é que no passado tínhamos uma administração pública prestigiada e com esta cultura clientelar tem vindo a ser posta em causa por todos. Não estou a dizer que o CDS tenha sido pior do que o PSD ou o PS. O que digo é que não foi suficientemente diferente e que temos de ser mais ambiciosos nessa matéria. Temos de aceitar que a nossa intervenção política se circunscreve aos cargos políticos. E devemos usar esse peso para estruturar uma administração pública que seja independente e competente.
Qual deve se a atitude do CDS em relação à maioria que sustenta o governo PS?
Há laivos de populismo e demagogia neste governo que nós temos de ter capacidade de demonstrar e combater. É pura demagogia contrapor-se medidas de apoio às pessoas com as medidas de apoio às empresas. Dá-se a entender que o rendimento que é devolvido é uma política a favor das pessoas, ao contrário do que se passava antes, que era privilegiar as empresas. É uma visão populista e demagógica. Ou temos capacidade para dinamizar a economia e atrair investimento ou não podemos manter os atuais níveis de rendimento em Portugal. E o governo tem de estar focado nesse desafio. Um governo que atira para as pessoas promessas vãs, que sabemos serem inconsistentes, dá mau resultado mais cedo ou mais tarde. Já se viu isso no passado e empurrou-nos para uma crise enorme. O CDS tem de ter a capacidade de ajudar a desmontar este populismo.
Se esta maioria, por algum motivo, se romper, o CDS deve estar disponível para um acordo PS/PSD?
Era bom para o CDS que quando isso acontecesse fôssemos reforçados por umas eleições. Era bom também para Assunção Cristas. Pelo que tenho ouvido, ela não exclui nenhuma possibilidade. Mas não é muito razoável pensar que o PS vá, de repente, alterar a sua política. A possibilidade de nós apoiarmos uma solução que envolva o Partido Socialista tem que ver com uma alteração de política. E isso não é expectável. Compreendo que não se queira excluir nenhum cenário, até porque o Presidente da República pode impô--lo. Para o CDS, era preferível que houvesse eleições e que fosse sozinho, sem coligação.
O primeiro grande teste à popularidade da nova liderança podem ser as eleições autárquicas, em finais de 2017. Assunção Cristas deve passar essa prova?
Não acho que seja um teste à popularidade, porque ela já a tem. Mas seria uma candidata muito forte à Câmara de Lisboa. No entanto, considero que essa especulação é extemporânea porque, pelo que temos aprendido ultimamente, seis meses em política é uma eternidade. Tendo em conta os sinais de fragilidade que esta maioria demonstra, o final de 2017 é ainda muito longínquo.
Como vê o sucesso da Frente Nacional em França? O CDS pode apostar em bandeiras idênticas como as relacionadas com os imigrantes?
Não, de maneira alguma. Uma das coisas que nos preocupa é o crescimento do extremismos em toda a Europa, quer de direita quer de esquerda. Ou os partidos do eixo democrático têm a capacidade de se renovar, ou as pessoas que não se identificam com o que existe têm tendência para extremar as sua posições. Assunção Cristas pode ser um antídoto contra os extremismos. Um primeiro sinal de mudança num partido democrático que colocou alguém na sua liderança que, usando a expressão do Nuno Melo, não subiu as escadas todas do aparelho partidário. Sem nunca prescindir da tradição humanista que nos caracteriza, como partido equilibrado e moderado.