Suspeitas sobre ligação de Dias Santos a traficantes foram reveladas num processo sobre violência doméstica
Há muito tempo que Luísa (nome fictício) desconfiava do seu companheiro, Manuel Manero de Lemos. O seu leque de relações pessoais levaram-na a questioná-lo sobre os amigos turcos, brasileiros e colombianos, até porque alguns destes apareciam, amiúde, na loja de Luísa a ameaçá-la. Até que um dia, Manuel Manero contou-lhe a verdade: estava envolvido no tráfico de droga, mas ela podia ficar descansada, pois tinha "proteção" da polícia, sobretudo do coordenador Carlos Dias Santos, entretanto detido por suspeitas de corrupção, a quem pagava uma "avença" de mil euros/mês.
Este é um dos depoimentos que constam do processo que investiga suspeitas de corrupção na Polícia Judiciária e que levou à detenção do ex-coordenador Carlos Dias Santos e do inspetor-chefe Ricardo Macedo. A investigação levada a cabo pela própria judiciária recolheu elementos em vários processos dispersos, concentrando toda a informação num só inquérito.
Num desses processos recolhidos pelos inspetores da Unidade Nacional contra a Corrupção, que investigam os colegas, consta o depoimento de Luísa feito no âmbito de uma queixa por violência doméstica contra o seu então companheiro, em 2008. Um ano antes, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal tinha aberto um processo de prevenção de branqueamento de capitais (PA n.º107/2007), no qual se deu conta de vários depósitos em numerário feitos por Dias Santos, ainda em funções na Judiciária (o coordenador reformou-se em Agosto de 2008). Só no mês de março de 2006, Dias Santos terá depositado mais de cinco mil euros em notas e comprado um relógio no valor de três mil euros. Em novembro de 2006, Dias Santos terá depositado 124 mil euros em notas numa conta por si titulada no BPI.
O problema é que, como a denúncia de Luísa além de violência doméstica também relatava trá-fico de estupefacientes, este processo foi remetido à então Direcção Central de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes (DCITE), atual Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE), mais precisamente à 2.ª secção, coordenada por Dias Santos. Este, de acordo com a investigação da UNCC, terá pressionado a mulher para desistir da queixa, não se conhecendo o desfecho do processo.
Mas as suspeitas sobre as ligações de Dias Santos a traficantes de droga recuam até 2006, quando o Departamento Central de Prevenção e Apoio Tecnológico da Judiciária - a chamada "secreta" da PJ, que faz vigilâncias, seguimentos e recolhe informação sobre suspeitos nos processos - fez uma informação interna levantando suspeitas sobre Dias Santos, na sequência de dados recolhidos junto de um informador, identificado como "Asa". Este indicou aos elementos do DCPAT dados concretos sobre os encontros de Dias Santos e Manuel Manero.
Nos últimos anos, houve várias denúncias sobre eventuais ligações de inspetores da Judiciária ao tráfico de droga. Porém, segundo fonte próxima da investigação, tanto os investigadores como os procuradores do Ministério Público tiveram de fazer uma espécie de "triagem" de forma a separar o "credível do nevoeiro". E no que diz respeito ao primeiro, um antigo inspetor da PJ acabaria por dar um importante impulso. Carlos (também nome falso) começou por colaborar com um grupo de traficantes. Porém, quando uma operação de desembarque de droga não correu como o esperado, o grupo começou a desconfiar, ameaçando-o, assim como à sua irmã.
Ouvido já em declarações para memória futura, Carlos confirmou e detalhou as ligações de Dias Santos ao tráfico de droga, sendo que a Judiciária viria a descobrir, já durante a investigação, mais um suspeito: Ricardo Macedo, inspetor--chefe. Este terá feito contactos com colegas norte-americanos da DEA (Drug Enforcement Administration) para obter informações sobre a localização de uns contentores com droga, uma vez que estes eram procurados por traficantes colombianos. Macedo é ainda suspeito de avisar uma rede de tráfico de que a Polícia Judiciária iria preparar uma operação.