A propósito do Dia sem Tabaco o DN falou com três ex-fumadores que foram seguidos na consulta de cessação tabágica do IPO
Aos 12 anos, experimentou o primeiro cigarro. Aos 15, juntava os trocos para comprar cigarros à unidade. Aos 18, fumava um maço a cada dois dias. Aos 30, quatro maços por dia. António Ganhão, agora com 52 anos, acordava meia hora mais cedo para fumar quatro ou cinco cigarros antes de tomar banho. "Não funcionava sem nicotina." Fez várias tentativas para deixar o vício nos anos seguintes. "Cheguei a ter pensos de nicotina nas costas, estar a mascar pastilha de nicotina e de cigarro na boca. Até ficava maldisposto." Passou por dois problemas oncológicos e hoje não fuma, mas é "um fumador para a vida".
No Dia Mundial sem Tabaco, que se assinalada na terça-feira, o IPO de Lisboa organiza uma sessão de informação aberta ao público, onde vão ser abordadas várias questões relacionadas com o tabagismo, focando aspetos históricos e sociais do consumo, para além das questões de saúde. Quem assistir à sessão, pode inscrever-se na consulta de cessação tabágica da instituição, numa altura em que Portugal acaba de adotar novas regas para o setor, como a utilização de imagens chocantes nos maços.
Na família de António ninguém fumava, mas o vício consolidou-se e chegou mesmo a comandar a vida deste funcionário do Aeroporto de Lisboa. "Não ia a certos sítios porque não conseguia estar sem fumar." Aos 30 anos, foi-lhe diagnosticada doença pulmonar obstrutiva crónica. "Senti medo." Pouco tempo depois, fez a primeira tentativa para deixar de fumar. Reduziu para um maço e meio a dois por dia. Mas vivia "com volumes de tabaco na secretária". Não suportava a ideia de ficar sem cigarros.
Em novembro de 2013, António deparou-se com um problema oncológico do foro respiratório. Começou os tratamentos de quimio e radioterapia no Instituto Português de Oncologia de Lisboa. Contra a vontade de toda a gente, continuou a fumar cerca de dez cigarros por dia. "Deixar o tabaco era imperativo." Em setembro de 2014, já com um "resultado positivo", interiorizou que tinha de ter mais cuidado. "Um problema oncológico nunca fica resolvido. Fica uma espada em cima da nossa cabeça." E iniciou o processo nas consultas de cessação tabágica do IPO de Lisboa. Quarenta anos depois de começar a fumar, conseguiu parar.
Ao fazer exames de rotina, no ano passado, António recebeu a notícia de mais um problema oncológico numa outra parte do corpo. "Abanei. São emoções muitos fortes. Fumei cinco ou seis cigarros naquele dia e senti-me mal." Foi uma recaída "extremamente dolorosa", que partilhou com a médica e a família. "O cigarro é o nosso animal doméstico." Mas depressa percebeu que o tabaco não ia resolver nada. Desde então, não voltou a fumar.
António Ganhão duvida de que vá viver tantos anos sem fumar como aqueles que viveu a fumar. Mas tudo melhorou desde que deixou de lado o seu "companheiro". "O olfato, o paladar, a respiração... Eram coisas que estavam adormecidas e voltaram." Reconhece a recaída e sente-se orgulhoso de si. "Sou um fumador que não quer fumar. Uma situação de risco emocional potencia uma recaída. Sei que em determinadas alturas fico mais vulnerável." Mas também sabe que, se fumar, tudo pode piorar. "Quem entra no IPO é um doente oncológico para a vida. O problema que tenho foi tratado e está adormecido."
"Cada dia que passa é uma vitória"
Na escola, toda a gente fumava. "Os professores pediam cigarros aos alunos. Até se fumava dentro das salas." Pedro teve curiosidade e experimentou. "Devia ter uns 15 ou 16 anos." Na universidade, já fumava entre dez a 15 por dia e facilmente passou para um maço. Foram 28 anos dependente da nicotina. "Hoje em dia somos bombardeados com informação. Fumar é um hábito pouco civilizado, há cada vez mais pessoas a deixar. Tenho amigos médicos e um amigo próximo que teve cancro do pulmão. Tudo isso me motivou."
Empurrado por um amigo que é médico no IPO de Lisboa, Pedro começou a frequentar as consultas de cessação tabágica. Tomou Champix - medicamento prescrito para tratamento do tabagismo - durante três meses. "Os primeiros dias são difíceis. Passas o dia inteiro a pensar: não fumes, não fumes. E cada dia que passa é uma vitória. Depois não custa tanto." Mas, nos primeiros meses, "jamais pensar em sair à noite ou em estar em locais onde as pessoas estão a fumar".
Anteriormente, Pedro já tinha estado quatro meses sem pegar num cigarro. "Fumei um e voltei. O difícil é manter a longo prazo." Desta vez, não fuma há um ano e dois meses. Já não pensa nisso. Mas está "consciente de que é uma luta para o resto da vida".
"Ganhei cheiros novos"
Há um ano e meio que Nuno Guedes, dirigente da Associação de Profissionais da Guarda, deixou de fumar. Começou na escola, aos 15 anos, com os amigos. "Fumava socialmente, até porque a mesada não era grande", conta o militar da GNR, de 40 anos. À medida que os anos foram passando, começou a fumar "de uma forma mais agressiva". A média era de um maço por dia. Fez várias tentativas e até chegou a estar dois meses sem fumar com a ajuda de pastilhas, mas nunca conseguiu dizer adeus ao tabaco.
Dador de sangue no IPO de Lisboa, Nuno Guedes foi aconselhado pela médica daquele serviço a fazer uma consulta de cessação tabágica. "Não cumpri o plano à risca." Era preciso marcar um dia para deixar os cigarros de lado, mas o militar decidiu fazê-lo de forma espontânea, antes do previsto. Resultou. Três dias depois, a mulher também deixou de fumar.
Nuno Guedes tomou medicamentos durante um mês, que, como efeito secundário, o deixavam "muito zen". Demasiado, até. "As pessoas falavam para mim e eu não reagia." Durante esse período, não tinha qualquer vida social, mas neste momento convive bem com fumadores. "Até posso fazer uma noitada que não dá vontade de fumar." As roupas perderam o cheiro do tabaco e Nuno ganhou "cheiros novos". "E um paladar apurado."