Joaquina Gonçalves enfrenta sentença de cinco meses de prisão, com um ano de pena suspensa. Caso deu-se na Queima das Fitas
"A polícia é uma mentira. Não fiz nada...", dizia Joaquina Gonçalves, ontem, à saída da sala de audiências do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto. Mas, aparentemente, ninguém lhe deu crédito. Aos 85 anos, foi condenada por furto, pela terceira vez. Agora, a sentença é de cinco meses de prisão, com um ano de pena suspensa.
Há três semanas, "Quina", como é familiarmente conhecida, fez o papel de má da fita ao ser detida perto da estação de São Bento por um agente da polícia, que a apanhou em flagrante na Rua dos Clérigos a meter a mão em carteira alheia. Usando um casaco sobre o braço como "muleta", tirou de lá um porta-moedas (no valor de 15 euros), que no interior continha uma nota de vinte e outra de cinco euros.
A octogenária podia ter passado despercebida entre os milhares de pessoas que na altura assistiam na Baixa do Porto ao cortejo da Queima das Fitas. O problema é que as autoridades já têm referenciada como carteirista desde há alguns anos.
Joaquina, divorciada de um marido que lhe deixou seis filhos para criar sozinha (três, entretanto, já faleceram), vive com os dois netos num pequeno apartamento em Ermesinde. Tem uma reforma de 300 euros. Não sabe ler nem escrever.
Além de várias detenções por furto, esta idosa já tinha sido julgada e condenada duas outras vezes pelos mesmos motivos. Em janeiro de 2005, foi condenada a 120 dias de multa, por roubar uma carteira em Tomar (em 2003). Em outubro de 2012, a condenação ficou a dever-se a uma situação em tudo semelhante, dessa vez ocorrida em Barcelos, e a pena resumiu-se a 60 dias de multa.
Contudo, na ficha criminal de "Quina" já constava uma pena de prisão de dois anos, suspensa por três, em janeiro de 2004, pelo crime de maus tratos e sobrecarga de menores (cometido em 2002).
Agora, pelo furto no cortejo da Queima das Fitas do Porto, no dia 3 de maio, a condenação baseou-se no depoimento "convicto" de dois agentes. Um deles "viu a arguida meter a mão na carteira da ofendida, desviar uma garrafa de água e tirar um porta-moedas". A vítima, distraída a tentar acompanhar a neta no cortejo, nem deu conta e só quando alertada pelas autoridades se apercebeu do sucedido. Apresentou queixa, ao contrário do que aconteceu com outra vítima no cortejo da Queima do ano passado.
A versão de Joaquina é diferente: "Dei um pontapé numa "coisinha" que estava no chão. Parecia um telemóvel... Depois vi que era uma carteira e guardei aquilo para entregar ao guarda."
Estes argumentos não convenceram a juíza, que entendeu que a pena de prisão de cinco meses não podia ser substituída por multa. Ainda assim, foram levadas em conta algumas atenuantes para suspender por um ano a execução da pena. Desde logo por esta ser a primeira pena de prisão a que é condenada por furto, e além disso, pelo facto de ter retaguarda familiar e de os bens furtados terem sido recuperados.
"Vai-lhe ser dada uma última oportunidade", explicou a juíza na leitura da sentença.
Joaquina Gonçalves, acompanhada apenas pelo advogado, ouviu em silêncio, com um gorro na cabeça, o casaco preto e um lenço com padrão de "leopardo" a emprestarem-lhe o ar de personagem inusitada, famosa pela atividade de risco em idade avançada.
Durante todo o julgamento, apareceu sempre sozinha. Nem os netos com quem vive, nem os filhos que criou, estiveram presentes. Assim que ouviu a sentença murmurou consigo própria e, sem prestar declarações aos jornalistas, saiu do tribunal, rua acima. Sempre sozinha, na rebeldia dos seus 85 anos.