Especialistas em saúde pública querem distribuição de pastilhas de iodo em zonas mais próximas da central de Almaraz, Espanha
Ter uma pastilha de iodo à mão pode fazer a diferença para a tiroide em caso de acidente nuclear, mas os concelhos da raia portuguesa mais próximos da central de Almaraz (Cáceres), onde residem perto de 200 mil pessoas, não estarão preparados para proceder à profilaxia em caso de fuga radioativa, segundo denuncia António Loy, do Movimento Ibérico Antinuclear. "Fomos a farmácias, proteção civil e bombeiros perguntar pelas pastilhas, mas até nos olharam com desdém, desconhecendo o problema", diz. O alerta merece aprovação dos Médicos de Saúde Pública e de um especialista português em medicina nuclear, embora a Direção--Geral de Saúde (DGS) garanta que não se justifica recorrer à profilaxia para distâncias superiores a cem quilómetros
A central espanhola de Almaraz - que completou 30 anos em maio de 2011, atingindo o limite de vida de uma central deste tipo, tendo o governo espanhol alargado a licença de funcionamento até 2020 - situa-se, precisamente, a cerca de uma centena de quilómetros da fronteira, em linha reta e vai ser alvo de uma megamanifestação a 11 de junho, para pedir o seu encerramento.
Os dois reatores são arrefecidos pelas águas do rio Tejo, levando Jorge Pereira, diretor da Medicina Nuclear do Hospital de São João (Porto) e especialista em instalações radioativas, a assegurar que se houver um acidente em Almaraz "a bacia do Tejo fica contaminada até Lisboa". Como tal, sustenta, será prudente dar iodo à população, "pôr a pastilha ou nos alimentos, como peixe, beterraba e frutos vermelhos. Deve mesmo ser obrigatório", sublinha, justificando ser este o recurso para saturar a tiroide, evitando assim que a glândula possa captar iodo radioativo.
"Quando há um acidente como ocorreu em Chernobyl ou Fukushima, o iodo sai logo para o ar. Depois as pessoas respiram-no e vão acumular esse iodo volátil na tiroide", justifica Jorge Pereira, enquanto o presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública, Mário Durval, também não hesita em defender a solução da toma da pastilha em caso de acidente nuclear, aludindo ao elevado índice de tumores da tiroide provocados pelas radiações.
Diz o mesmo especialista que "o iodo controla a tiroide e quando esta está estável, mesmo que a radioatividade entre no corpo, não se fixa", defendendo o investimento nas pastilhas de iodo nas zonas portuguesas sob maior influência da central de Almaraz, como Vila Velha de Ródão, Castelo Branco, Nisa ou Portalegre, subscrevendo o raio de cem quilómetros agora definido pelo Movimento Ibérico Antinuclear.
"Estamos a seguir o que fizeram na Bélgica, onde o receio de atentados terroristas elevou o alerta, tendo o governo decidido distribuir pastilhas de iodo a toda a população que estava a cem quilómetros das seis centrais nucleares", justifica António Loy, defendendo que a regra também deveria ser aplicada no caso de Almaraz. "Houve pessoas dos concelhos portugueses da raia com que falámos, que pensávamos serem mais evoluídas nesta situação, que nem sabiam para que serve a pastilha de iodo", lamenta.
Contudo, Jorge Pereira ressalva que iodo tomado em excesso também é prejudicial, podendo provocar bócio, pelo que recomenda a toma obrigatória apenas em caso de fuga radioativa.
"Não se justifica cá", diz a DGS
Contactada pelo DN, a DGS avança que "as consequências possíveis de um acidente nuclear estão bem estudadas, sendo conhecidas em detalhe as condições em que é necessário administrar iodo estável", garantindo que "só são normalmente atingidas num raio inferior a 30 quilómetros em torno de uma central nuclear". Acrescenta que a medida "apenas será justificada nesse raio". E cita um estudo feito pela Comissão Europeia no qual é referido que, mesmo nos piores cenários, "não se justificará recorrer a esta profilaxia para distâncias superiores a cem quilómetros", acrescentando que as centrais nucleares mais próximas de Portugal encontram-se fora dessa área.
Daí que, ainda segundo a DGS e à luz dos conhecimentos científicos atuais, "não se justifica que em Portugal exista um stock de pastilhas de iodo", embora, caso fosse necessário tomar esta medida, insiste, o país poderia recorrer à preparação solúvel de iodeto de potássio, a disponibilizar através de farmácia.
Em caso de acidente nuclear em Espanha a Agência Portuguesa do Ambiente será o ponto de contacto nacional para troca de informação, cabendo à Autoridade Nacional de Proteção Civil a coordenação da resposta nacional, sendo assessorada por três autoridades técnicas de intervenção: Agência Portuguesa do Ambiente, a Direção-Geral da Saúde e o Instituto Superior Técnico.
Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero, tem esperança de que o argumento do iodo funcione como uma espécie de despertador para Portugal sobre o tema da central nuclear de Almaraz. "É incrível como as pessoas não têm ainda noção do risco que ali está, quando em qualquer outro país a proximidade de uma coisa destas incomoda o vizinho."