Investigador faz a ponte entre os conceitos abstratos da ciência e a materialização em jogos interativos para o público
Ainda não tinha terminado a licenciatura em Física, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e já estava a pensar sobre como poderia falar daquelas coisas difíceis das partículas de uma forma simples. Imaginou esquemas visuais, juntou-lhe animações, que aprendeu a fazer sozinho no computador, e descobriu uma vocação: explicar a física, mesmo a mais complexa, com jogos interativos. Hoje é isso que o físico português João Pequenão faz no CERN, o Laboratório Europeu de Física Nuclear, perto de Genebra, onde dirige o MediaLab. Missão: acelerar a divulgação da física de partículas.
De si próprio, João Pequenão diz com humor que "é um físico em recuperação". A verdade é que ele também foi um investigador puro e duro, no LIP, o Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, que, desde há três décadas, agrega a participação dos portugueses no CERN.
"Estive no grupo que desenvolveu um dos subdetetores da experiência ATLAS [uma das duas que descobriu o bosão de Higgs, em 2012, a outra foi a CMS]", conta. Mas, a par disso, nunca deixou de fazer as suas animações sobre as partículas e as colisões que revelam as suas propriedades ocultas.
Profissionalização na América
"Na faculdade fui aluno da professora Amélia Mayo [uma dos fundadores do LIP, em 1986, com outros pioneiros da física de partículas em Portugal, como Mariano Gago, Gaspar Barreira, Armando Policarpo ou Conceição Abreu, entre outros]. Ela apercebeu-se de que eu podia fazer este trabalho de divulgação, e incentivou-me nesse sentido", recorda o físico.
A professora não se tinha enganado e no Instituto de Berkeley, nos Estados Unidos, a qualidade das produções gráficas, que ele entretanto ia somando, também não passou despercebida: "Em 2004 contrataram-me."
Se até aí tinha aprendido um pouco por conta própria e com amigos da área do design gráfico, o que veio a seguir acabou por se tornar a sua nova atividade profissional.
"Comecei a trabalhar com artistas gráficos, como o americano de origem húngara Josef Kristofoletti, muito conhecido a nível mundial no meio dos graffiters, e que em 2010 foi convidado para fazer um mural gigante do bosão de Higgs na fachada de um dos edifícios do CERN", lembra.
Muitas das animações dessa sua época de Berkeley, onde se veem colisões de partículas e detetores, têm a assinatura do físico português. "Quase todas as boas animações dessa altura são minhas", diz ele meio a rir, meio a sério.
À frente do MediaLab do CERN
Depois, em 2009, entrou em cena o novo acelerador de partículas do CERN, o LHC, e a partir de 2010 iniciou-se a demanda do bosão de Higgs a níveis de energia muito superiores aos que até então tinham sido possíveis. Sabia-se que vinham aí potenciais grandes descobertas e o laboratório europeu preocupou--se em que essa informação pudesse passar de forma correta e acessível ao público. Para João Pequenão aquele era um belo desafio.
"Em 2011, propus ao então diretor do CERN, o professor Rolf-Dieter Heuer, a formação de um grupo especializado para conceber e de-senvolver produtos de multimédia de alta qualidade para comunicar a física e as descobertas do CERN, e ele aceitou."
O CERN MediaLab nasceu em 2012. "Inicialmente éramos quatro, um alemão e três portugueses, e começámos a pensar em dispositivos interativos, para falar de física de forma intuitiva, com uma narrativa, e integrando jogos cooperativos, em que as pessoas têm de colaborar para as coisas acontecerem, que é, aliás, a forma como se trabalha no CERN. Nem podia ser de outra maneira", diz.
Em 2012, estava já iminente a descoberta do bosão de Higgs - foi oficializada a 4 de julho desse ano -, quando o CERN recebeu um convite da Feira de Frankfurt para estar presente com um stand. "Íamos ficar ao lado da Nintendo, era preciso ter uma coisa muita boa."
E assim aconteceu, porque a equipa de João Pequenão criou uma instalação interativa em que os visitantes podiam simular colisões de protões para produzir partículas, e depois experienciar o campo de Higgs: é ao atravessá-lo que as partículas ganham massa.
Não está bem a ver? Então vá até à Reitoria da Universidade de Lisboa, onde até ao próximo dia 25 de maio está patente a exposição Partículas, do Bosão de Higgs à Matéria Escura, que celebra os 30 anos do LIP.
Ali pode experimentar, ao vivo e a cores, uma versão mais simples daquele simulador de colisões de protões e do campo de Higgs, que veio de propositadamente do CERN para integrar a exposição (ver texto, em cima).
Depois desse primeiro simulador, a equipa de João Pequenão não tem parado. A partir do dispositivo original, foram desenvolvidos outros seis portáteis (como o que está na Reitoria) e outro ainda mais portátil está agora na forja, para ir para as escolas. Pelo meio, o MediaLab abriu espaços interativos no CERN, onde é possível ver colisões dentro dos detetores, falar com físicos virtuais para tirar dúvidas ou espreitar a sala de controlo do LHC. E o mais que aí há de vir, porque as colisões não param, e o MediaLab também não.