Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida começará a analisar pedidos que cheguem para que possam avançar assim que regulamentação for aprovada
Joana não cabe em si de alegria. Ser mãe não terá mais de ser um sonho "escondido numa sala escura onde não se pode acender a luz com medo por se estar na clandestinidade". Joana Freire, 29 anos, formada em relações públicas vai poder ser mãe em Portugal, com a aprovação, ontem, da lei que permite a gestação de substituição.
Nasceu sem útero. Serão 1166 mulheres no país com esta doença. A nova lei é para ela e para outras mulheres que por motivos de doença ou acidente tenham ficado com lesões que impedem a gravidez. Eurico Reis, presidente do Conselho de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), acredita que os primeiros pedidos de autorização chegarão em breve.
"Só a palavra aluguer já é profundamente negativa"
"Os pedidos de autorização têm de ser feitos pelos próprios interessados. Acredito que teremos os primeiros em breve. O Conselho irá analisá-los para que assim que a regulamentação entre em vigor possam ter seguimento", disse ao DN, considerando que o dia de ontem "foi luminoso" e "um passo em frente no reconhecimento que há certas áreas da vida privada das pessoas que são estas que têm direito a decidir desde que não resulte em mal ou dano para terceiros".
Os primeiros projetos para a legalização das vulgarmente conhecidas "barrigas de aluguer" foram em 2012. O BE voltou a fazer a proposta nesta legislatura, mas a votação indiciária indicava o chumbo com votos contra do PSD, CDS e PCP. "Fiz um pedido de audiência ao dr. Pedro Passos Coelho. Estivemos algumas horas a conversar, pedi que em vez de votarem contra optassem pela abstenção. A expectativa tornou-se positiva quando li que ia votar a favor", diz Eurico Reis.
"A grande maioria das mulheres não está disponível"
Jogo das contas no Parlamento
Com liberdade de voto nas bancadas do PS e do PSD, não era fácil antecipar o resultado. Até porque o preanunciado voto contra do PCP punha a decisão nas mãos dos deputados sociais-democratas - cuja direção do grupo parlamentar recomendou o voto contra. Na hora da verdade, Pedro Passos Coelho esteve entre os 24 "desalinhados", tal como tinha comunicado na véspera na reunião da bancada "laranja". A "ajuda" chegou, já que no PS apenas Renato Sampaio e Isabel Santos se opuseram.
No final, houve aplausos. Como acontecera minutos antes após a aprovação do alargamento das técnicas de PMA - até agora usadas apenas para casos de tratamento de infertilidade em casais heterossexuais - a todas mulheres, independentemente do estado civil e orientação sexual. PSD e CDS votaram contra as propostas do PS, BE, PEV e PAN, mas, uma vez mais, houve deputados sociais-democratas que não alinharam com a orientação dada pela direção (16 neste caso).
Joana assistiu a tudo pelo telemóvel. "É um enorme alívio saber que o nosso filho pode nascer cá. Foi um passo histórico para o país. Conseguimos o direito igual a todas as mulheres de sermos mães", diz. O estrangeiro só seria hipótese se a lei a proibisse. Foi-o para muitos casais que viajaram para o Brasil, Rússia, Chipre, Estados Unidos. A irmã Catarina Freire, 32 anos e mãe de uma menina com um ano, será a sua barriga, se a regulamentação que terá de ser aprovada 120 dias após a publicação da nova lei o permitir. "Sempre estive disponível para ela, mas disse-lhe que seria uma decisão difícil que teria de ser tomada em família e nunca antes de ter um filho meu. Não me assusta, talvez por ter uma visão pragmática da vida. Há um trabalho psicológico que temos feito ao longo dos anos", diz Catarina.
Regra: avaliação psicológica
A lei cria já algumas regras: a criança tem de ter material genético de um dos membros do casal, a gestante não pode dar ovócitos nem podem ser feitos negócios jurídicos de gestação de substituição se houver uma relação de subordinação económica entre as duas partes. O contrato tem ser autorizado pelo CNPMA e não podem existir pagamentos, a não ser de despesas comprovadas relacionadas com a gravidez, e qualquer tentativa de negócio é punida com prisão ou multa. São nulos os acordos que não respeitem a lei e nesse caso, a gestante de substituição tem 48 horas para dizer se fica com a criança ou se é entregue aos beneficiários.
É preciso fazer regulamentação, que pode ficar a cargo do Parlamento, Governo ou CNPMA, que já tem algumas ideias sobre o tema. "Será preciso regulamentar como é feito o pedido, a quem é apresentado, os documentos que o acompanham, a formulação de parecer à Ordem dos Médicos. Pode não haver um contrato tipo, tem é de ser claro para todos. Será feito com a supervisão do Conselho. Estabelecer limites no nosso caso pode ser complicado e em principio a gestante de substituição poderá ser amiga ou família. Nós entendemos que já deve ter sido mãe e sem limitações do seu poder paternal. Tem de haver consultas psicológicas para os três elementos antes para estejam certos e conscientes do compromisso que estão a assumir. Depois do contrato assinado não há margens para arrependimento", explica o juiz.
A lei não teve o parecer a favor do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, por considerar que não garantia o superior interesse da criança. "As objeções levantadas podem ser obviadas se a regulamentação regular essas preocupações, porque reconhecemos a bondade da ideia e as circunstâncias definidas que são de doença. temos de reconhecer o valor altruísta da proposta", diz o presidente João Lobo Antunes.
Isilda Pegado, presidente da Federação Pela Vida, contestou os votos a favor de partidos que disseram estar contra. "Foi mais um golpe nas costas do povo. Não sei o que vai acontecer em caso de mal formação, se uma das mães não quiser a criança. Lamento a mercantilização sexual das mulheres. O alargamento da PMA, lamento que a criança não possa saber quem é o pai. Estão a mentir ao dizer às mulheres inférteis que podem ser mães biológicas. Mãe biológica é a que gerou", afirma.