Barroso disse que Sampaio tinha concordado com encontro nas Lajes. Este explica que concordou com cimeira de paz, não de guerra
Durão Barroso disse que o ouviu na qualidade de presidente antes da cimeira. É verdade que afirmou expressamente que concordava com a realização da Cimeira das Lajes nos Açores, a 16 de março de 2003?
Quando a 14 de março o primeiro-ministro me informou de que tinha sido sondado sobre a sua realização nas Lajes, e de que se tratava da derradeira tentativa para a paz e para evitar a guerra no Iraque, respondi-lhe que, sendo assim, nada havia a opor. Mas fiquei naturalmente perplexo com a súbita emergência daquela questão, tanto mais que mantínhamos contactos regulares, se não diários, e que a mesma nunca tinha aflorado, nem sequer na véspera, aquando da nossa habitual reunião de quinta-feira...
No livro A Década de Sampaio, de João Gabriel, é dito que só foi informado tardiamente da realização da cimeira. Isto corresponde à verdade?
É a absoluta verdade. Como acabo de dizer, fui informado da mesma a 14 de março numa reunião de urgência, solicitada pelo primeiro-ministro, pelas 07.00. Ou seja, dois dias antes de a mesma ocorrer.
É verdade que só não impediu a realização da cimeira porque não tinha legitimidade nem poder constitucional para isso, mas sempre se opôs à sua realização?
As diferenças de opinião entre o primeiro-ministro e eu próprio iam muito para além da questão da cimeira, que, de alguma forma, até é apenas um episódio relativamente secundário, não fora o ter atirado Portugal para uma posição acidentalmente mais em destaque e mais diretamente associada ao apoio à intervenção no Iraque. Desde o primeiro momento em que a questão do Iraque surgiu na agenda nacional, no início de setembro de 2002, se tornara claro para ambos que os nossos pontos de vista não coincidiam nem sobre o que era o interesse nacional no caso vertente, nem sobre o papel da Europa, nem sobre a importância dada ao multilateralismo na proteção dos fundamentos da legalidade internacional. Note-se que, no contexto constitucional português, a condução da política externa cabe ao governo, embora daí não resulte que o presidente tenha de caucionar toda e qualquer decisão de política externa que o executivo possa tomar ou que este não tenha o direito de manifestar as suas opiniões. Agora não compete ao presidente nem autorizar ou deixar de autorizar decisões ou atos de política externa, a menos que firam os princípios constitucionais, nem tão-pouco provocar crises ou instabilidade institucional através das suas posições eventualmente divergentes. No que toca à guerra no Iraque, penso que foi verdadeiramente importante opor-me ao envio de tropas porque permitiu a decisiva afirmação do papel efetivo do presidente como comandante supremo das Forças Armadas
A esta distância, considera um erro aquela cimeira ter-se realizado em território português?
Cometeu-se um erro gigantesco com toda a questão do Iraque e a situação caótica que hoje se vive é disso, em grande parte, resultado. Mas, quando digo cometeu-se, digo a comunidade internacional, as várias instâncias de concertação regional, os países que preparam e apoiaram a intervenção militar. Foi um falhanço coletivo. Quanto a essa cimeira, foi, a meu ver, mais um acidente de percurso do que um momento essencial de um processo que, de qualquer forma, estava já em curso há muito tempo, com ou sem cimeira. Não obstante, em termos internos, podemos naturalmente questionarmo-nos em que é que a nossa história teria sido diferente se esta cimeira tivesse tido lugar em Washington, Londres, Barbados ou nas Bermudas, como tinha estado em cima da mesa, ou se a nossa posição tivesse sido outra...