Comissão de Protecção às Vítimas de Crime pagou quase 70 mil euros à filha e ex-mulher de Manuel Palito. Em 2015, cada vítima de violência doméstica recebeu, em média, 1462 euros devido a teto imposto pela lei
A filha e a mulher de Manuel Palito - condenado a 25 anos de cadeia pelo homicídio da mãe e de uma tia e pelo mesmo crime na forma tentada contra a ex-mulher e filha - vão receber quase 70 mil euros de indemnização do Estado, o máximo permitido por lei. Esta foi uma das últimas decisões da Comissão de Protecção às Vítimas de Crime (CPVC), cujo relatório de atividade de 2015 revela que, em média, foram pagos 10 mil euros a 58 vítimas de crime violento. Nos casos de violência doméstica, a CPVC atribiu uma média de 1462 euros (durante seis meses) às vítimas que pediram auxílio. No total, 331 pessoas recorreram à CPVC.
O valor da indemnização pago às vítimas de violência doméstica, à primeira vista, até pode ser considerado baixo. Porém, como explica a própria Comissão no Relatório de Atividades, entregue no final do mês de abril na Assembleia da República, o pagamento da indemnização às vítimas de violência doméstica é pago desde que, como diz a lei, se verifique uma situação de "grave carência económica". Por um lado, refere a CPVC, "o legislador" diz de forma clara na lei que nenhuma vítima pode beneficiar de um apoio superior ao valor da Retribuição Mínima Garantida", mas não definiu o conceito. O que levou, numa primeira fase, a indexar o valor ao extinto Rendimento Mínimo Garantido, sendo que com a alteração deste para Rendimento Social de Inserção (com os respetivos escalões), a Comissão fixou que uma vítima "encontra-se numa situação de Grave Carência Económica quando tem rendimentos ou prestações sociais cujo valor se situe abaixo do salário mínimo nacional", atualmente fixado nos 530 euros.
No ano passado, 207 (117, em 2014) mulheres vítimas de violência doméstica recorreram à CPVC. Em muitos dos casos reportados, as mulheres já se encontram separadas ou divorciadas dos agressores condenados em tribunal, sendo que em algumas situações "constata-se que tanto a vítima - mulher - como o agressor tinham já no momento do crime novas relações amorosas, havendo casos em que o agressor tinha mesmo já filhos dessa nova relação". O panorama da violência doméstica levou ainda a Comissão a identificar nove mulheres já viúvas que iniciaram uma nova relação e que depois foram agredidas pelos novos companheiros.
Estabelecendo quase uma relação "causa-efeito", os dados disponíveis pela CPVC revelam que muitos dos autores de violência doméstica estão desempregados. "Quase metade dos homens que agrediram as mulheres que pediram apoio a esta comissão estavam desempregados no momento da ruptura familiar, sendo que, em muitos casos, as vítimas encontravam-se também nessa situação", lê-se no relatório de atividades. "Constata-se que nestes casos, para além de tudo o resto, como o machismo, a falta de valores como civismo e cidadania, existe um claro problema social", acrescenta a CPVC, relatando ainda o caso de uma mulher que durante o período em que estava a beneficiar de uma indemnização relativa a um processo de violência doméstica apresentou novo requerimento, dando conta de outra situação com condenação em tribunal.
As vítimas e as redes sociais
Há casos em que, já depois dos crimes, as vítimas, obrigadas a mudar de residência, acabam por revelar a sua localização aos agressores. Motivo: redes sociais. "Uma mulher sai de Lisboa e é colocada numa casa-abrigo no Porto. A vítima acaba por colocar uma foto no Facebook ou usa outra aplicação que revela a sua localização e o agressor consegue localizá-la", descreveu ao DN o presidente da CPVC, Carlos Anjos, ex-inspetor chefe da Polícia Judiciária.
O responsável da comissão adiantou ainda que a maioria das vítimas com pedidos de indemnização estão atualmente colocadas em casas-abrigo, uma vez que devido às agressões foram obrigadas a sair de casa e, enquanto não conseguem estabelecer-se, ficam alojadas nestas instituições do Estado. Para minimizar os danos causados à vítima, Carlos Anjos defende que "quem deveria sair de casa era o agressor" ou, em alternativa, os tribunais deveriam aplicar mais medidas de coação - como a pulseira eletrónica - que avisasse a vítima da presença do agressor na sua proximidade. "Na maior parte das situações, as mulheres é que são obrigadas a mudar de vida, levando consigo os filhos, quando deveriam ser estes a manter as suas rotinas no meio onde já estão integradas", considera Carlos Anjos.
A CPCV verificou ainda, no último ano, um aumento de vítimas de crimes cometidos por estudantes. Estão em causa situações de ofensas à integridade física grave, sobretudo cometidos em desacatos.