O aviso a Costa está feito. "Sem nova estratégia não é possível sustentar compromisso em que assenta a maioria"
É uma moção com os olhos postos em Bruxelas e Frankfurt, mas com vários recados para dentro de portas. Até para o Presidente da República. Para o Bloco de Esquerda (BE), é das instituições europeias que podem chegar as ameaças ao funcionamento da plataforma política que apoia o governo e, por isso, a moção que as principais tendências bloquistas vão levar à Convenção de 25 e 26 de junho aponta para a necessidade de "uma nova estratégia para Portugal", dado que o país "não pode ficar à espera da mudança na Europa" para "vencer a austeridade".
No documento intitulado "Força da esperança - o Bloco à conquista da maioria", subscrito pelas três principais correntes do BE e do qual constam os nomes de Catarina Martins, Jorge Costa e Pedro Soares (os três da Plataforma Unitária), de Pedro Filipe Soares, Joana Mortágua e Mariana Aiveca (da Esquerda Alternativa) e de Adelino Fortunato, Helena Figueiredo e Paulino Ascenção (da tendência minoritária "Refundar o Bloco"), pode ler-se que "é preciso uma resposta económica e política garanta um aumento sustentado dos rendimentos do trabalho, com criação de emprego e que seja capaz de aumentar a capacidade produtiva do país e atacar o endividamento externo". Como? Com base em três eixos: controlo do sistema financeiro e combate à corrupção, descarbonização da economia e coesão territorial e reposição de direitos laborais, combate à precariedade e maior redistribuição da riqueza. Isto, claro, sem esquecer a velha bandeira da renegociação da dívida.
De forma mais ou menos explícita, ao longo do texto, Catarina Martins e os demais dirigentes vão chamando o PS a jogo. E explicam que a recuperação de direitos e rendimentos que a "gerigonça" tem vindo a conseguir "ficará em causa" se não houver "uma nova margem de manobra", isto é, se António Costa não bater o pé à "pressão externa" e à "escassez de recursos".
Assim, o Bloco apresenta um extenso caderno de encargos ao governo, sendo que algumas das exigências resultam das posições conjuntas assinadas no final do ano passado. E vão das 35 horas de trabalho semanal (nos setores público e privado) ao ponto final nos falsos recibos verdes, falsos estágios e falsas bolsas, limitação dos contratos a prazo e do trabalho voluntário imposto, regresso dos 25 dias úteis de férias, aumento do valor das indemnizações por despedimento, desbloqueamento da contratação coletiva e aumento progressivo do salário mínimo nacional.
Contudo, o partido liderado por Catarina Martins vai mais longe ao sublinhar que "o desenlace do caso grego e a pressão para a entrega da banca portuguesa aos gigantes europeus" demonstram que é preciso estar preparado para tudo. Ou, sendo fiel ao texto, "que uma esquerda comprometida com a desobediência à austeridade e com a desvinculação do Tratado Orçamental tem de estar mandatada e preparada para a restauração de todas as opções soberanas essenciais ao respeito pela democracia do país".
Autárquicas, farpa ao PCP e o remoque ao Presidente
No plano interno, sobre o qual os bloquistas fazem correr menos tinta, a moção é clara. E os recados estão lá. Para as eleições regionais dos Açores, já este ano, bem como para as autárquicas do próximo, o Bloco "apresentará a sua alternativa". Dito de outra forma, avançará com listas próprias. Fazendo "um balanço positivo" do apoio dado a candidaturas independentes e de movimentos cívicos na última corrida ao poder local, a receita é para repetir.
O objetivo de "aumentar a representação" do BE nos municípios e freguesias está assumido mas há mais, de acordo com a moção: "Em cada executivo, o Bloco contribuirá para maiorias de transformação à esquerda, nelas estando disponível para todas as responsabilidades, contribuindo para isolar e derrotar a direita nos órgãos autárquicos." Está dado o sinal de abertura para que os bloquistas assumam pelouros em câmaras socialistas.
O quadro político é outro e o Bloco quer capitalizá-lo. Aliás, é com esse intuito que está escrito, preto no branco, que o "acordo de maioria que deu posse ao atual governo do PS colocou em xeque a armadilha do 'voto útil'".
Ora, e o se balanço dos primeiros meses de "geringonça" é positivo, Catarina saúda também o "contributo do PCP" e diz estar "disponível para encontrar novas formas de diálogo e cooperação" com os comunistas, apesar da "ocorrência de episódicas expressões de sectarismo" por parte do partido liderado por Jerónimo de Sousa.
Quem também merece uma farpa é o Presidente da República. A Marcelo Rebelo de Sousa é apontado o dedo por "sob o pano de fundo" da "chantagem europeia" tentar presidencializar o regime político (e restaurar o chamado arco da governabilidade). "As suas pressões para 'acordos de regime' visam repor as relações históricas e o alinhamento à direita dos partidos da alternância."