Em Lucy, a heroína do filme sensação do momento, ganha superpoderes ao conseguir usar 100% da sua capacidade cerebral. Saiba como o sono, a alimentação, medicamentos e o exercício físico e mental nos podem ajudar a modelar a inteligência
É difícil não acreditar em Morgan Freeman. A voz grave e o ar solene do respeitado ator de Hollywood quase nos levam a duvidar de nós próprios. Mas a sua afirmação, que dá o mote ao filme Lucy (com Scarlett Johansson), de que só usamos 10% da nossa capacidade cerebral, não podia estar mais errada. "É o maior mito urbano que existe", sublinha Tiago Reis Marques, 37 anos, psiquiatra e investigador do Kings College, em Londres. O médico, que trabalha num dos maiores institutos do mundo na área das neurociências, está farto de desconstruir esta falsa ideia, que terá nascido na década de 30 do século passado, num livro de autoajuda.
Basta pensar na lógica subjacente aos sistemas vivos - o princípio da energia mínima, que garante uma utilização racional dos recursos disponíveis - para perceber que a teoria não tem sentido. Afinal, o cérebro representa 3% do peso do corpo, consumindo 20% da sua energia. Só pode estar a fazer alguma coisa! "Essa ideia, errada, também se alimenta do facto de, em exames ao cérebro, só uma parte parecer ativa, a funcionar. O que acontece é que, tal como num computador, boa parte do órgão é constituído por sistemas de apoio, como vias de transmissão da informação, que circula de um lado para o outro", continua o médico.
Mas uma coisa está certa, no filme de Luc Besson, em que a protagonista ingere uma droga, aumentando, assim, a sua capacidade cognitiva e alcançando superpoderes: é possível aumentar a capacidade do nosso cérebro. Uma melhoria que até já vem acontecendo.
É bastante claro que os seres humanos estão a ficar mais inteligentes. A conclusão, extraída da análise dos resultados dos testes de Q. I. (Quociente de Inteligência), não é nada mais que o reflexo da escolarização cada vez mais generalizada e precoce - a educação revela-se, efetivamente, o mais poderoso método de aumentar a nossa capacidade cerebral. Mas há outros. A Ciência tem vindo a desenvolver medicamentos, chips, campos eletromagnéticos, estimulação elétrica, entre outras tecnologias, para tratar patologias neuronais, como a doença de Alzheimer ou a depressão. E é certo que venham a ser adotadas pura e simplesmente para potenciar capacidades, como o desempenho durante um exame ou a concentração numa prova de condução, ou para eliminar uma memória desagradável ou adquirir um sentido extra. "O aumento cognitivo é uma inevitabilidade", afirma João Relvas, neurocientista do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto. "Podemos ligar o hipocampo à internet, partilhar dados com outra pessoa, através de chips implantados no corpo, viver experiências e memórias que nunca foram nossas", continua o cientista, membro do projeto europeu NERRI, que pretende levar a sociedade a discutir as implicações éticas e os riscos de brincar com o cérebro.
Mas não é preciso esperar que a ficção científica se torne realidade. Há muitas coisas que estão já aí, à nossa disposição - e outras que são tão falsas como a premissa do filme Lucy.
Quanto mais horas dormir, melhor para a minha memória?
De todas as causas da perda de memória, o sono, ou a falta dele, é a mais fácil de alterar. Hoje é ponto assente: dormir bem é essencial para a aprendizagem e a formação de memórias. E este efeito produz-se de duas formas. Por um lado, uma boa noite de sono é fundamental para que se possa aprender. Por outro lado, é durante a noite que o cérebro processa as informações captadas durante o dia, armazenando-as. Num estudo publicado na revista Science, no passado mês de julho, cientistas americanos e chineses viram este processo de formação de memórias a acontecer em ratinhos. Em imagens de microscópio, conseguiram vislumbrar a formarem-se as sinapses (ligações entre neurónios, que codificam a informação). Agora, a grande questão que todos se colocam é: de quantas horas de sono precisamos? Durante muito tempo, o oito apareceu como o número mágico. Mas estudos recentes têm vindo a deslocar a barra mais para as sete horas. Num trabalho gigantesco que seguiu mais de um milhão de pessoas, ao longo de seis anos, concluiu-se que a menor mortalidade estava entre as pessoas que dormiam de 6,5 a 7,4 horas. Dormir demais está relacionado com problemas como diabetes, obesidade ou doenças cardiovasculares e com maior risco de cancro. O que está de acordo com as avaliações de inteligência. Num estudo publicado na revista Frontiers in Human Neuroscience concluiu-se que o desempenho cognitivo dos voluntários ia aumentando à medida que as pessoas dormiam mais, atingindo um pico nas sete horas. A partir daí, começava a descer. "Depois das sete, o aumento de horas de sono deixa de ser benéfico", conclui-se, no artigo. Outra experiência, efetuada na Alemanha transportou um grupo de cinco pessoas para as condições dos tempos primitivos: sem eletricidade, relógio ou água corrente. Ao fim de dois meses, a noite de sono passou a durar 7,2 horas. Estes novos resultados levaram o Centro de Controlo de Prevenção de Doenças dos EUA a rever as recomendações, estando previstas novidades para o próximo ano.
Os 7 principais fatores de risco
A partir dos vinte, vinte e pouco anos, o cérebro começa a envelhecer. Quanto a isto, nada a fazer. Mas pode evitar os sete fatores, responsáveis pelos 30% de risco ambiental. Os outros 70% são determinados pelos genes.
Baixo nível educacional
Depressão
Diabetes
Obesidade
Hipertensão
Inatividade física
Tabagismo