Primavera Sound. Conheça os melhores petiscos do festival que começa amanhã no Porto
Sandes de pernil que se comem nove de seguida e convertem muçulmanos, rissóis e croquetes de bifana, francesinhas que deixam 10 mil pessoas penduradas e cachorrinhos que valem 200 km. Conheça os artistas gastronómicos do festival que começa amanhã no Porto
Desde o ano passado que a Casa Guedes se tornou um cabeça-de-cartaz do Primavera Sound, ao nível de Nick Cave ou Blur. Nesta edição, há quem anseie mais por trincar uma sandes de pernil na relva do Parque da Cidade (que este ano com a chuva promete estar ao estilo de Woodstock) do que ver os concertos de Caetano Veloso, Pixies ou The National - os nomes mais sonantes da ementa musical do festival.
César Correia, 55 anos, o "Guedes", como é conhecido por quase todos, embora esse seja o nome da casa que gere, tem consciência da quantidade de fãs do seu pernil e já tem um discurso de rock star: "Sabe, fizeram-me o convite, já fui o ano passado [ao festival] e não queria ir de maneira alguma, mas lá me convenceram. Os clientes exigem a minha presença, portanto não posso faltar de maneira alguma. Por mim, sinceramente, nem ia, porque fechar esta porta considero quase crime."
A MÃO DE BAIÃO A porta é a do Snack-Bar Guedes, como se lê num letreiro da Praça dos Poveiros, no Porto, que entretanto César rebaptizou de Casa Guedes, embora mantivesse "o reclame" anterior. "Esta casa abriu em 1984 quando um senhor antigo que aqui estava apostou em assar um pernil. Mas a coisa não andava, não deu sucesso e dois anos depois comprei-lhe a casa", recorda.
A coisa não andava porque a sandes do senhor antigo, o verdadeiro Guedes, "era muito afiambrada". "Depois nós começámos a pôr o assado à moda da nossa terra, a pôr a nossa mão de cozinhar de Baião e os assados começaram a ter um sabor melhor."
O reconhecimento à séria das sandes do Guedes só chegou depois das "actuações" no Maus Hábitos. "Sucesso verdadeiramente dito foi desde que comecei a fazer lá noitadas", continua. "Foi aí que a malta jovem começou a conhecer a nossa sande e a divulgar ao mundo a nossa sande." A partir de 2004, César começou a trabalhar às sextas e sábados no Maus Hábitos depois da meia-noite e até "de manhã" - quase nem dormia. "Mas há três ou quatro anos deixei-me disso. Já me cansei e agora nem posso."
Amanhã e até sábado as noitadas regressam com o Primavera Sound, no Parque da Cidade. As filas que se esperam não assustam César. "A multidão não me enerva porque também aqui tenho muitas filas", garante.
O ALÁ NÃO VIU Além da clássica sandes de pernil - "a melhor para começar", a 3,5 euros -, a Casa Guedes terá outras maravilhas gastronómicas como a sandes de pernil com paio de porco preto - a preferida de César, a 4,5 euros - ou a de pernil com queijo da serra, de queijo da serra artesanal ou a serrana (com queijo da serra amanteigado e presunto).
As sandes são de comer e chorar por mais e César diz que o recorde na clientela pertence a "um rapazinho novo que começou a comer descontraído e num curto espaço de tempo comeu nove sandes seguidas." Também há a história de um muçulmano que se sentou numa das mesas e comeu uma sandes de pernil sem saber que estava a comer porco.
"Eu nem percebi que ele era muçulmano, só quando ele me disse: 'Isto foi o melhor peru que comi na vida.' Quando percebeu que era porco ficou muito atrapalhado. Eu dei-lhe uma palmada nas costas: 'Tenha calma que o Alá não viu.' E ele acabou por me dizer: 'Olhe, estava tão bom, tão bom... Faça-me outra."
BIFANAS COM MARMELADA Sérgio Oliveira já chegou a comer bifanas com marmelada. "Foi para experimentar mas não funcionou", diz o dono da Conga, a casa de bifanas mais conhecida do Porto. "Mas foi com base nestas tentativas que cheguei às francesinhas de bifana." Francesinhas de bifana, rissóis de bifana com queijo, folhados de bifana... As iguarias da casa são quase todas à base de bifana e do molho de bifana - por isso nas próximas linhas vai ler tantas vezes bifana que é capaz de enjoar.
Este ano, e pela segunda vez consecutiva, a Conga vai estar no Primavera Sound a servir bifanas (óbvio), codornizes (com molho de bifana) e rissóis de bifana. "Este ano vamos ter uma inovação, que são os croquetes de bifana", revela Sérgio que herdou este negócio do pai e que desde então dá asas à imaginação com as suas criações.
A Conga abriu em 1976 no espaço de uma antiga tasca com o mesmo nome que vendia "bolos e coisas variadas" e o sucesso surgiu logo nas primeiras horas de negócio. "Logo no primeiro dia, o meu pai [Manuel José de Oliveira, 'retornado de Angola' e o criador das bifanas] teve de fechar antes da hora de almoço porque já tinha esgotado tudo", conta. "Foi uma inovação."
Estar no festival é mais uma "aposta a nível de visibilidade do que de retorno financeiro para a casa até porque tenho de fechar este espaço aqui ao lado", confessa Sérgio. Ali ao lado funciona outra das salas da Conga, com um aspecto mais de tasca, já que o restaurante original foi remodelado há dois anos e está agora "mais kitsch", palavras de Sérgio.
No Primavera uma coisa é certa: "Mesmo com filas, o serviço é rápido e escoa rápido." Até porque Sérgio não quer perder o concerto de Pixies.
10 MIL PESSOAS PENDURADAS Rapidez não vai ser a preocupação principal de Artur Ribeiro, de 55 anos, durante o Primavera Sound. O dono do restaurante de francesinhas Lado B, na Rua Passos Manuel, já deixou 10 mil pessoas penduradas durante o Festival da Francesinha em Lisboa, que se foram embora sem comer, porque as francesinhas "têm de sair em condições", demorem o tempo que demorarem.
No Primavera Sound espera que isso não aconteça, mas o aviso pelo menos já fica feito: "Pode parecer que o serviço é mais lento, mas a francesinha sai sempre no ponto", garante Artur, também outrora dono da mítica e mais antiga loja de discos do Porto, a Jo-Jo's, que encerrou em Dezembro do ano passado.
Artur trocou a música pelas francesinhas porque o negócio era mais rentável. Agora consegue voltar a juntar as duas coisas e vender francesinhas num festival de música. Dos concertos, e nos intervalos das francesinhas (a 10 euros com batatas) e dos preguinhos (dois no pão com batatas por 5 euros) não quer perder Caetano Veloso, "que atravessa todas as gerações", The National, !!! (Chk Chk Chk) e Rodrigo Amarante.
STRANGLERS EM PLAYBACK Muito antes de sonhar estar à frente de uma casa de francesinhas, em 1982, foi ao segundo Vilar de Mouros com "14 pessoas numa carrinha Hiace". "Os figuras de cartaz eram os Stranglers porque estava aí na berra a 'Golden Brown' e a 'La Folie' e ia tudo maluco", recorda. "Lembro-me que deixámos passar os U2, que ainda eram uns putos, e que os Stranglers tiveram a coragem de nos deixar a ouvir o 'La Folie' em playback e saíram todos do palco ao mesmo tempo. Ficou tudo nervoso e aos assobios e foi assim que terminou. Depois voltámos para o Porto e ainda fomos a uma discoteca, ao Batô."
Apesar de ter deixado o negócio da música - não conseguia competir com a Amazon e "era muito trabalhinho para tostões" -, a música ainda está presente no Lado B (e não só no nome do restaurante). Os individuais onde são servidas as francesinhas - "As Melhores do Mundo", Artur fez questão de registar a marca - têm nomes de bandas nacionais e internacionais e ainda um espaço em branco para os clientes escreverem a sua banda preferida.
200 KM PARA UM CACHORRINHO Fernando Correia, de 57 anos, nem sabe bem que bandas vão estar no Primavera Sound. A sua prioridade vai ser servir os cachorrinhos do snack-bar Gazela, os "cachorrinhos da Batalha", como são conhecidos no Porto, na tenda VIP do festival.
"Salsicha fresca, uma tirinha de linguiça, vai a grelhar, depois leva um banho de molho picante, o pão vai a tostar, o queijo derrete e fica assim crocante." Fernando descreve em poucos segundos a receita do cachorrinho do Gazela, idealmente cortado em pequenos pedaços e comido ao balcão da casa que existe desde 1962.
Fernando começou a trabalhar no Gazela quando o pai comprou a casa, em 1980, e tornou-se sócio alguns anos mais tarde. A receita do cachorro, "o ex-líbris da casa", nasceu antes do tempo do seu pai, já que a casa "sempre serviu as mesmas coisas".
O festival vai ser bom para sair da rotina. "Fomos convidados pela organização e para nós é novidade, nunca fomos a um festival destes."
A casa vai encerrar durante esses dias já que os funcionários vão estar todos a trabalhar na tenda VIP do festival e a clientela vai ser muito diferente da que se costuma sentar ao balcão do Gazela.
"Provavelmente vamos ter muitos clientes que nunca provaram os cachorrinhos. Mas 99,9% das pessoas que comem ficam a gostar", garante Fernando.
E até há quem faça centenas de quilómetros para provar os cachorrinhos. "Muitas vezes temos ruptura de stock [em média fazem-se 200/250 cachorrinhos por dia] e temos clientes que vêm de propósito de Minde, a 200 quilómetros, e que nos ligam quando estão a caminho para guardarmos."
O NOS Primavera Sound acontece entre 5 e 7 de Junho no Parque da Cidade do Porto. + informações em nosprimaverasound.com