Medida de coação foi aplicada esta quarta-feira pelo juiz Carlos Alexandre, no âmbito do processo das rendas da EDP. Tribunal fala em perigo de fuga, defesa nega.
Menos de 48 horas depois de ter comparecido pelo próprio pé no Ministério Público (MP), em Lisboa, o ex-ministro Manuel Pinho ficou, esta quarta-feira à tarde, em prisão domiciliária, por perigo de fuga, no âmbito do inquérito às rendas da EDP.
A decisão do juiz Carlos Alexandre permitia ao arguido "comprar" a liberdade com uma caução de seis milhões de euros, mas o advogado do antigo governante (2005-2009), Ricardo Sá Fernandes, já fez saber que este não dispõe daquele montante e, por isso, ficará mesmo confinado em casa, enquanto a medida de coação estiver em vigor. O processo, iniciado em 2012, está ainda em fase de investigação, não havendo data para a dedução de acusação.
Manuel Pinho, de 67 anos e titular da pasta de Economia no primeiro Governo de José Sócrates, está indiciado por corrupção, branqueamento e fraude fiscal, por, entre outras suspeitas, ter sido alegadamente subornado por Ricardo Salgado para, no exercício de funções, beneficiar o BES/GES. O rasto dos 3,7 milhões de euros terá sido, segundo o MP, apagado com recurso a sociedades offshore, partilhadas com a mulher.
Alexandra Pinho, também arguida, ficou esta quarta-feira em liberdade, obrigada a apresentações quinzenais às autoridades e à prestação de uma caução de um milhão de euros. Sá Fernandes garantiu que, tal como o marido, não tem dinheiro para tal e, por isso, a garantia não será dada. A lei não permite que, em caso de incapacidade financeira, o incumprimento seja substituído por prisão, incluindo domiciliária. A defesa vai recorrer das medidas de coação aplicadas ao casal.
De acordo com Sá Fernandes, foram três os argumentos invocados pelos magistrados do MP para justificar o perigo de fuga: a alegada dissipação recente de património, a residência do casal em Espanha e a radicação de dois dos seus três filhos no Brasil e na Austrália.
Com pulseira eletrónica
"O Dr. Manuel Pinho tem património em Portugal. É absolutamente falso que tenha dissipado património nos últimos anos", assegurou o causídico, acrescentando que o casal está a melhorar uma habitação no Norte do país. O defensor desvalorizou ainda o facto de Manuel e Alexandra Pinho viverem em Alicante, no sudeste de Espanha.
"Tínhamos de passar a prender os arguidos que vivem fora de Portugal. Nós não estamos na União Europeia? Temos um mandado de detenção europeu que é uma coisa fulminante, em 15 dias as pessoas estão presas. Que mundo é que querem construir? Um mundo em que as pessoas se presumem como fugitivas mesmo sem haver nada que aponte que são fugitivas?", sustentou o advogado.
"O Dr. Manuel Pinho apresentou-se sempre em Portugal: vivemos num mundo onde as pessoas não fogem assim. Vejam o que aconteceu ao Dr. [João] Rendeiro. [Fugiu] e acabou por ser apanhado", comparou. Ao contrário de Manuel Pinho, o ex-presidente do BPP já foi julgado e condenado a prisão em três processos, um dos quais já com pena transitada em julgado.
Certo é que o ex-ministro está, desde esta quarta-feira à noite, preso em casa de um familiar no Sul do país. No futuro, vai mudar-se para a sua casa na região Norte, atualmente em obras. Terá polícia à porta até estarem reunidas as condições técnicas para ser controlado através de pulseira eletrónica. Até agora, estava apenas sujeito a termo de identidade e residência.
Caução mais elevada de sempre
A caução aplicada por Carlos Alexandre a Manuel Pinho é a mais elevada de sempre em Portugal. Além de ter, alegadamente, recebido "luvas" milionárias de Ricardo Salgado, ex-líder do BES, o antigo ministro terá ainda, segundo o MP, sido subornado por António Mexia e João Manso Neto, então administradores da EDP e da EDP Renováveis.
Os gestores, igualmente arguidos, foram, em julho de 2020, obrigados a prestar uma caução, cada um, de um milhão de euros. A medida, que caducou entretanto, tinha já sido aplicada por Carlos Alexandre, então também temporariamente com o processo, originalmente distribuído a Ivo Rosa. Noutros inquéritos, Carlos Alexandre aplicara já cauções de três milhões de euros a Ricardo Salgado e a Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica.
Os arguidos negam, nos diferentes processos em causa, a prática dos crimes, todos de natureza económico-financeira.