Vinte pessoas ficaram desalojadas após fogo que consumiu águas furtadas de vários prédios no centro de Lisboa. Sem apoios públicos, tem-lhes valido os amigos e familiares.
Quando, no início do mês, o telhado de um prédio, no número 5, na Rua das Gaivotas, em Lisboa, começou a arder, os moradores do número 11, ao lado, não imaginaram que o fogo chegaria lá. Em poucos minutos, porém, as chamas alastraram-se e deixaram alguns apartamentos reduzidos a cinzas. "Ficamos apenas com a roupa que trazíamos no corpo", recorda Lúcia Barata, 32 anos. O incêndio deixou 20 pessoas desalojadas. Muitas casas foram ainda destruídas pelo "excesso de água".
Lúcia Barata, que vivia no 3.º direito do número 11B com o namorado, estava longe, nas Caldas da Rainha, e quando chegou já não havia nada a fazer. "O meu namorado estava a trabalhar em casa e viu as chamas pela janela. Saiu para a rua, para ver melhor, e nunca pensou que chegassem até ao nosso prédio. Quando pediu para ir buscar algumas coisas, os bombeiros já não o deixaram subir", lamenta a estudante de medicina dentária.
Perderam tudo, eletrodomésticos e móveis, computadores, roupa e "muitas memórias, fotografias e recordações". "Só conseguimos resgatar a carcaça do computador. Foi um choque, fiquei sem teto, sem chão, sem nada. Só escombros", recorda.
Encontraram estadia em casa de amigos, mas esperavam mais apoio das instituições públicas. "Não foi bem o que estávamos à espera. Ligamos à Junta de Freguesia da Misericórdia e à Câmara de Lisboa para saber de que forma poderiam ajudar, na procura de uma casa por exemplo, e disseram que não podiam fazer nada. As ajudas são poucas", considera.
Perdeu 24 mil euros
A Edwaldo Pegado, 35 anos, valeu-lhe a Santa Casa da Misericórdia, que lhe facultou uma pensão durante duas semanas. "Não tinha mesmo onde dormir", recorda. Do 3 esquerdo, do 11B, também nada sobrou. "Perdi 24 mil euros em trabalho e em bens pessoais, um pagamento que tinha recebido em dinheiro, roupa, recordações da minha filha, a história da minha vida", diz. Lúcia e Edwaldo lançaram uma campanha de angariação de fundos entretanto, através da GoFundMe, para conseguirem recuperar o que perderam.
Quando os bombeiros tentavam apagar o fogo, relatam ainda, "a água entrava com dificuldade nos telhados" e o que as chamas não devastaram foi destruído pela "quantidade excessiva de água". Foi o caso do rés-do-chão do número 5. "A força da água inundou tudo e com as infiltrações a minha mobília ficou podre, vai tudo para o lixo. Agora, é começar de novo", suspira Crisólita Reis, 69 anos. Se não tivesse a ajuda da filha, com quem vive agora, confessa, "estava sentada na rua". "Continuo à espera de ajuda da Câmara para encontrar casa", lamenta.
A filha, Ludmilla Cavaco, partilha a mesma frustração. "Estamos a fazer tudo sozinhas. Nem nos arranjaram uma carrinha para transportar os móveis que sobraram. Tem sido o camião do lixo, à noite, que vai levando o que deixamos à porta, têm ajudado imenso", diz.
O JN enviou perguntas à Câmara de Lisboa, mas não obteve respostas.
Seis prédios arderam só este ano em Lisboa
Em apenas meio ano houve sete incêndios em prédios habitacionais, em Lisboa. A 31 de março ardeu o 5.º andar de um edifício na Almirante Reis e, a 16 de junho, um incêndio consumiu um edifício na Ajuda, provocando um morto. A 26 de julho, o fogo destruiu um prédio no centro da capital, sem feridos. Os mais recentes começaram todos nas águas furtadas dos prédios e aconteceram em menos de uma semana: a 28 e 31 de agosto, em Campo de Ourique, e a 1 de setembro, na Rua das Gaivotas.